Vale a pena, em primeiro lugar, relembrar que a obesidade é uma doença crónica definida como um excesso de adiposidade prejudicial para a saúde e que se caracteriza de comsiderável complexidade. Para além de doença crónica é, também, fator de risco de outras patologias (co-morbilidades ou complicações associadas à obesidade) determinadas por processos patológicos complexos relacionados com a quantidade e distribuição da adiposidade excessiva, bem como com um tecido adiposo que está doente. Igualmente intrincados são os fatores de risco e determinantes do desenvolvimento da obesidade, incluindo um leque complicado de fatores – uns mais proximais e outros mais distais – a vários níveis (individual, familiar, comunitário, políticos) que se interrelacionam afetando direta e indiretamente o desenvolvimento da obesidade.
Com tal complexidade não é expectável que o tratamento da obesidade seja fácil, estejamos a pensar em terapêuticas direcionadas ao estilo de vida (ex., alimentação, sono, atividade física, entre outras), complementadas com terapêutica farmacológica, ou ao tratamento cirúrgico (cirurgia metabólica e bariátrica). Felizmente existem várias opções terapêuticas, sendo de salientar que não são mutuamente exclusivas. Portanto, já no início do texto, a resposta torna-se bastante óbvia; não há um único tratamento para a obesidade e nenhum deles é fácil, sendo crucial esclarecer que o tratamento cirúrgico não é exceção a esta regra.
O doente com obesidade candidato a cirurgia metabólica e bariátrica tem – tal como outros doentes com obesidade – de se consciencializar de que a cirurgia não é uma solução “mágica” para a sua doença. É sim, mais uma opção terapêutica cujo sucesso a longo-prazo depende da adesão a novos estilos de vida incluindo alteração de hábitos (alimentares, de atividade física, de sono) e investimento na saúde (física, mental e social).
O tratamento cirúrgico implica a necessidade de uma abordagem centrada no doente, protocoloda com base na melhor evidência científica, com acesso a uma equipa multidisciplinar treinada que acompanhe o doente nos períodos pré, peri e pós operatórios, garantindo cuidados a curto, médio e longo-prazo. Dentro deste protocolo, a terapêutica nutricional é um dos componentes cruciais.
O protocolo de intervenção nutricional inclui, no mínimo, 1 consulta de nutrição antes da cirurgia na qual se faz uma avaliação completa do estado nutricional do doente, se processa o diagnóstico nutricional e se avalia e propõe a intervenção nutricional pré-cirurgica mais adequada a cada caso. Nas consultas antes da cirurgia, é explicada ao doente a importância da intervenção pré-cirurgia, as repercussões da cirurgia na alimentação e os riscos nutricionais inerentes, bem como o processo de progressão alimentar no pós-operatório e a necessidade de adotar um novo estilo de vida a longo-prazo.
Após cirurgia, o doente vai passar por um período de cerca de 2 meses em que estará a seguir várias dietas de textura modificada, com consistências progressivamente mais espessas e menos homogéneas. Genericamente, ficará pelo menos 2 semanas em dieta líquida (primeiro líquidos translúcidos, seguidos de líquidos da textura de um néctar, seguidos de líquidos mais espessos), mais 1 a 2 semanas em dieta cremosa (dieta passada, com robot de cozinha, com consistência de cremes e purés homogéneos), seguindo-se uma alimentação de fácil mastigação, denominada de dieta mole, que vai evoluindo de alimentos macios, húmidos e picados/raspados, para alimentos macios e fragmentados. A dieta mole tem a duração aproximada de 1 mês, evoluindo progressivamente para fragmentos cada vez maiores. Usualmente, ao final de 2 meses, o doente pode seguir uma alimentação de textura normal, polifracionada, sem água à refeição que dá especial atenção às regras de uma alimentação saudável (completa, equilibrada e variada) com controlo rigoroso do volume de alimentos consumidos em cada ocasião de consumo.
Durante todo este processo, o doente deve ser acompanhado pela equipa multidisciplinar, incluindo pela equipa de nutrição, de forma a monitorizar a progressão alimentar, a tolerância a alimentos, bem como eventuais complicações e respetivas soluções. Durante o processo é ainda implementada a suplementação em macronutrientes (de salientar suplementos proteicos) e em micronutrientes (vitaminas e minerais), especifica de cada tipologia cirúrgica, que é absolutamente crucial para diminuir risco nutricional associado à cirurgia metabólica e bariátrica.
O seguimento depende dos centros e respetivos protocolos, da tipologia cirúrgica, bem como do doente, mas tende a ser vitalício. Durante o primeiro ano, a par das consultas de outras especialidades, as consultas de nutrição são muito frequentes, espaçando-se nos anos seguintes com uma frequência dependente de cada caso. Nas consultas de nutrição implementa-se constantemente o processo de cuidado nutricional (avaliação, diagnóstico, intervenção e monitorização nutricionais) com avaliação completa do estado nutricional, incluindo avaliação de parâmetros bioquímicos e da composição corporal.
Em suma, o tratamento cirúrgico da obesidade nada tem de fácil, bem pelo contrário! É muito eficaz, mas exigente para a equipa multidisciplinar, para o doente e para a sua família. É uma opção terapêutica muito eficaz mas complexa e que – para ser eficaz a longo-prazo – implica um esforço e comprometimento vitalícios.
Catarina Roquette Durão, Professora Auxiliar NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas | Universidade Nova de Lisboa
Nutricionista 0289N, especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública
Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica | Hospital CUF Tejo
Unidade Universitária Lifestyle Medicine | Hospital CUF Tejo