Estava um destes dias de sol de início de primavera e eu tinha ido a uma esplanada na praia. Enquanto aguardava pelo pedido, não consegui evitar apanhar parte da conversa na mesa ao lado. Três mulheres trocavam impressões sobre as dietas que estavam a por em prática, talvez já a pensar nos dias de praia que se avizinham. Antes do meu café chegar e me desligar do assunto, ainda consegui ouvir que a “keto” estava a ser espetacular e que «de facto, os hidratos não eram precisos para nada porque o meu corpo em jejum consegue queimar a gordura toda». Nos dias que correm, as dietas são um dos temas que mais ouvimos na boca das pessoas, mesmo nos lugares mais improváveis…
Mas se do cidadão comum, sem conhecimento aprofundado sobre os temas da Nutrição, podemos esperar alguns comentários menos informados, que dizer quando são os profissionais da área a divulgar informações sem base científica, ou pelo menos, com bases mais duvidosas? Conseguirão aqueles que se formaram em Nutrição separar as suas convicções pessoais daquilo que a Ciência nos demonstra? Por exemplo, se um Nutricionista acreditar no racional por trás da dieta paleolítica, será capaz de analisar a evidência e aplicar o seu sentido crítico a este padrão alimentar?
Atualmente, um dos riscos em torno da Alimentação e Nutrição é a dissipação das fronteiras entre as posições científicas e o ativismo de pessoas ou grupos a favor de certas causas. Talvez um dos melhores exemplos seja o do leite. Uma coisa é criticar a forma como se faz a exploração leiteira ou entender que devemos encontrar alternativas ao leite de vaca para reduzir impactos ambientais; outra coisa é atacar o leite (para atingir esse fim), quando toda a informação científica de qualidade nos mostra que, no geral, se trata de um ótimo alimento! Situação semelhante ocorreu quando recentemente o ex-diretor do PNPAS afirmou que faltava provar as vantagens nutricionais dos produtos de agricultura biológica face aos tradicionais. Logo se levantou um coro de protestos porque não se estava a defender produtos que, supostamente, são mais amigos do ambiente. Mesmo que a agricultura biológica seja ambientalmente mais benéfica (e a evidência também não é clara a este respeito…), não se pode confundir isso com o teor de vitaminas ou minerais dos alimentos resultantes desse modo de produção. E há ainda as agendas políticas que visam demonizar ou santificar alimentos junto da opinião pública, como forma de aplicar impostos ou justificar subsídios. Por tudo isto, é muito importante não confundir as coisas e garantir que não se atropela a Ciência em nome do ativismo por determinadas causas, por mais justas que sejam.
É neste fogo cruzado que os Nutricionistas se encontram atualmente. Se a preocupação crescente com a alimentação faz com que todos queiram ter opinião sobre o assunto, também é verdade que essa opinião é na maioria das vezes moldada por convicções pessoais ou outros fatores sem base científica. Compete-nos ser o fiel desta balança, garantido equilíbrio entre os aspetos estritamente nutricionais e todos os outros fatores que se relacionam com a alimentação.
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição®