No início deste ano, foi publicado um modelo de dieta saudável e sustentável para o humano e para o planeta – a Dieta do Antropoceno. Os mais de 30 especialistas envolvidos concluíram que a quantidade diária de carne vermelha a ser ingerida deveria ser, em média, 14 g – o que poderá corresponder a uma refeição de 100 g de carne vermelha por semana. Contudo, no mês passado foram publicadas novas Guidelines na revista Annals of Internal Medicine que sugerem como seguro o consumo atual de carnes vermelhas e de carnes vermelhas processadas.
Sabendo que em Portugal, as carnes vermelhas são o segundo maior contributo para a energia total ingerida e que 22,5% dos portugueses consumem mais de 100 g de carne vermelha por dia, devemos olhar para estas recomendações com preocupação. Para além de não serem consistentes com o princípio da precaução, as novas diretrizes contradizem toda a evidência que associa o consumo de carne vermelha, especialmente carne processada, a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, diabetes, certos tipos de cancro e morte prematura.
Uma atenta análise a estas recomendações foi efetuada por especialistas da Harvard School of Public Health, onde referem ser lamentável a publicação deste documento, pois seguir estas diretrizes pode lesar a saúde pública e planetária. Mais, estes especialistas referem que de uma dieta igualmente saudável e sustentável deve incorporar maioritariamente alimentos de origem vegetal e que o consumo de carne vermelha e processada deve ser relativamente baixo. Contudo, para os apreciadores de carne, este torna-se um grande desafio.
Recentemente têm surgido produtos processados que mimetizam o aspeto, a textura e o sabor da carne real. Estes produtos, também designados como “fake meat”, utilizam não os grãos de leguminosas como um todo, mas sim a proteína vegetal isolada, óleo de coco e amido de batata. Romã em pó e sumo de beterraba são usados para conferir a cor vermelha da carne. Esta combinação de ingredientes, entre outros, resulta num alimento de origem vegetal com quantidades mínimas de fibra e de fitoquímicos, rico em sódio, nitratos e nitritos. Mais, de forma a conseguir organoleticamente mais semelhanças com a carne, das raízes da soja é retirado ferro-heme e através de técnicas de engenharia genética grandes quantidades desta molécula são obtidas para, posteriormente, serem adicionados a estes alimentos. Contudo, quantidades elevadas de ferro-heme são associadas a risco elevado de desenvolver, por exemplo, diabetes tipo 2.
A grande pergunta é se, realmente, estes produtos são mais saudáveis e sustentáveis. Ensaios clínicos de longa ou de curta duração que incluem estes substitutos de carne são escassos e, apesar de serem vários os estudos que mostram as consequências da ingestão de produtos ultra-processados no geral, os resultados não devem ser extrapolados para estes produtos em particular.
Mas as alterativas à carne não ficam por aqui. Também a ganhar popularidade, é a carne cultivada em laboratório – sim, em placas de petri. Apesar do número crescente de start-ups a investir neste negócio, este produto ainda não é comercializado, sendo uma realidade cada vez mais próxima, mas ainda distante.
São necessários ensaios clínicos a longo prazo para estudar os efeitos destes substitutos de carne na saúde humana, nomeadamente no peso corporal (composição corporal), microbiota intestinal, e no risco de desenvolver doenças crónicas não transmissíveis.
Boas escolhas e saber o que comemos passa, inevitavelmente, por uma atenta análise à rotulagem dos produtos alimentares, desde a origem do produto até à lista de ingredientes. Sem esquecer o espírito crítico aguçado na sua interpretação.
Juliana Morais
Nutricionista (3719N) | Investigadora júnior do Pronutri, CINTESIS