Carne cultivada em laboratório pode destacar-se em Portugal mas são precisos apoios 303

A carne cultivada em laboratório é uma alternativa alimentar que está a ser estudada por meia centena de ‘startups’ na Europa e Portugal pode ser um “ator fundamental”, mas são necessários incentivos, defendeu o Good Food Institute.

Frango, porco, vaca e marisco já podem ser produzidos em laboratório, nomeadamente em fermentadores, como os que são utilizados para fazer cerveja.

“O processo pode ser comparado com o cultivo de plantas a partir de estacas numa estufa, criando-se as condições ideais para tal (calor, nutrientes e água”, explicou o ‘public affairs manager’ do Good Food Institute, Carlos Campillos Martinez, em resposta à Lusa.

Em vez de ser proveniente de animais de criação, esta carne é cultivada, num ambiente controlado, a partir de uma amostra do animal.

Fornecendo nutrientes como água, proteína, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas e minerais replica-se o processo que ocorre dentro de um animal.

O resultado é carne moída, que pode ser transformada em produtos, que o Good Food Institute diz serem “indistinguíveis” da carne produzida de forma convencional.

Singapura e os Estados Unidos são os primeiros países a terem aprovada a comercialização de carne cultivada, mas, na Europa, mais de 50 ‘startups’ (empresas com rápido potencial de crescimento económico) já desenvolvem este alimento.

Em julho, a francesa Gourmey foi a primeira empresa na União Europeia a apresentar um pedido de autorização para vender carne cultivada. Pode demorar até dois anos para que estes produtos cheguem ao mercado.

“Com as suas empresas inovadoras e o seu ambiente de investigação de nível mundial, a Europa tem um enorme potencial para liderar a indústria da carne cultivada, contudo, para desbloquear este potencial vão ser necessárias políticas de apoio e investimento em I&D [Investigação e Desenvolvimento]”, apontou Campillos Martinez.

Para o Good Food Institute, ‘think tank’ (laboratório de ideias) sem fins lucrativos que tem por objetivo tornar o sistema alimentar melhor para o planeta, Portugal tem potencial para ser “um ator fundamental” neste setor, uma vez que conta com um projetos de investigação e ‘startups’ na área.

Destaca-se, por exemplo, o Instituto Técnico de Lisboa e o Instituto de Bioengenharia e Biociências, onde o projeto Algae2Fish apresenta novas abordagens de marisco cultivado.

Entre as ‘startups’ portuguesas, a Cell4Food, sediada nos Açores, quer ser a primeira empresa do mundo a desenvolver polvo cultivado.

“A inovação portuguesa é também apoiada por uma rede robusta de aceleradores, incubadoras e fundos de capital de risco orientados para a inovação. No entanto, o investimento público em investigação e desenvolvimento e as políticas de apoio vão ser essenciais para desbloquear todo o potencial deste setor”, acrescentou.

De acordo com o Good Food Institute, a carne cultivada pode ajudar a diversificar as fontes de proteína, a reforçar a segurança alimentar e promover o crescimento económico verde, ao mesmo tempo que cria postos de trabalho.

Apesar dos avanços nesta área, a carne cultivada ainda não iguala a convencional em termos de sabor, preço e conveniência, o que Carlos Campillos Martinez justificou com a falta de infraestruturas e de produção de larga escala.

O ‘public affairs manager’ do Good Food Institute sublinhou ainda que o frango cultivado da Eat Just, o primeiro produto do género a receber aprovação regulamentar, teve uma validação de segurança e qualidade que demonstrou que este produto tem um teor microbiológico inferior ao do frango convencional.

“A carne cultivada está bem posicionada para complementar os produtos tradicionais produzidos através de uma agricultura sustentável. Enquanto opção adicional, poderia reduzir a necessidade de importação de carne, promovendo a autossuficiência de países como Portugal, que continua a ser um importador líquido, apesar da sua capacidade de produzir produtos alimentares de alta qualidade”, afirmou.

Carlos Campillos Martinez lembrou também que a maior parte da carne consumida na Europa provém da agricultura industrial, o que acarreta desafios ambientais e sanitários.