Comemora-se hoje o Dia Mundial de Lúpus. Para a Maria, a Liliana, a Alice, o Ricardo, a Marlene, a Alexandra, a Raquel e tantos outros é mais um dia com a doença. Cada um tem uma história para contar sobre o fardo da doença nas suas vidas, ora mais suave, ora deveras pesado, um lúpus, um lupinhos ou um lupão. Carregam-no na casa, no emprego, nas aulas, nas férias, em todo o lado, todo o tempo, e as pessoas da casa às vezes até esquecem, os amigos talvez nem adivinhem e os colegas não sabem e pior….
Maria, andas mais preguiçosa nestes últimos tempos…
Eles não sabem que mesmo quando a doença não aparece na face, é o cansaço, muito cansaço, que só é minorado com uma grande força interior. Os médicos preocupam-se muito, e bem, com os órgãos muito importantes, como o rim, mas até se esquecem, ou fingem que se esquecem, de nos falar do cansaço. Talvez não tenham, ainda, meios para nos acudir. Eu sei que já tive um cansaço enorme e foi vencido com o tratamento que fiz mas, há o outro cansaço, às vezes dizem que é fibromialgia. Vejo que os médicos ficam atrapalhados por não terem nomes para os nossos diferentes cansaços. Ah, se houvesse uma “Clínica do Cansaço” eficaz e honesta…
Tem havido novidades muito importantes na área dos medicamentos para o Lupus Eritematoso Sistémico (LES). Como sabem há um Lúpus que se manifesta apenas na pele enquanto o LES pode atingir qualquer órgão. Após a aprovação do primeiro medicamento há meia dúzia de anos, o mesmo foi agora aprovado para o atingimento renal do lúpus, enquanto outro aguarda aprovação e alguns estão em avaliação em ensaios clínicos.
Sabes , hoje o meu médico do lúpus propôs-me para participar num ensaio clínico e eu não sei que faça, disse a Liliana para o seu amigo Carlos, um jovem médico. Trouxe aqui uns papéis para ler mas continuo muito confusa. Fala em muitos riscos e a mim parece que me estão a querer fazer de cobaia, que dizes? Sabes os medicamentos não aparecem do acaso, é preciso muita investigação sobre as alterações no nosso corpo que levam à doença e depois mais investigação para criar moléculas que tentem corrigir o que está mal, depois mais investigação para ver o efeito em animais com doenças parecidas com as nossas e só depois alguns desses fármacos chegam aos ensaios clínicos nos humanos. E todo este processo é vigiado pelas autoridades competentes para minimizar os riscos. É o único caminho para termos novos medicamentos para o lúpus, não se podem inventar do nada. E riscos, Liliana, é o que vivemos todos os dias, não há vida sem riscos: mesmo atravessando na passadeira, com luz verde para o peão é possível, e tem acontecido, sermos atropelados…
Lembro-me uma vez de um doente com um LES e com quem tinha uma grande empatia, condição essencial para o sucesso na luta contra a doença. Um dia abria ele já a porta da consulta para sair quando volta para trás e me pergunta “ doutor quando é que me cura?” Não estava a ser agressivo ou irónico, simplesmente perguntava como se perguntasse sobre a data da próxima consulta, e eu não caí porque estava sentado! Para mim era tão óbvio que não temos cura para o lúpus, assim como para a diabetes, a hipertensão e tantas e tantas outras doenças crónicas, que não me passava pela cabeça falar de cura aos meus doentes. Não os podia enganar. Então, atrasando irremediavelmente as consultas seguintes, convidei-o a sentar e expliquei-lhe como se fosse a primeira consulta o que podíamos esperar do lúpus e o que eu, a medicina atual, lhe podia oferecer. Não a cura (mas será mesmo que não devemos pensar, ambicionar, sonhar? Não é o sonho que comanda a vida?!), mas o controlo da doença de tal forma que o doente possa viver uma vida normal em qualidade e com a mesma esperança de vida como qualquer outra pessoa sem lúpus. É isso que devemos lutar por alcançar, o médico ( e todo o sistema de saúde) e o doente juntos.
Oh pá, dizia o Ricardo para a Maria na associação de doentes com Lupus, isto de ter uma doença de mulheres chateou-me bem quando me disseram pela primeira vez. Mas já estou bem, larguei devagarinho a cortisona e até estou a esquecer-me de tomar o Plaquinol, é amargo que se farta! Olha, olha, cuidado Ricardo, o meu médico costuma dizer que o Plaquinol é amargo mas não fura o estomago como alguns outros bem docinhos. E está sempre a dizer que o Plaquinol é o nosso melhor seguro de saúde, porque acalma o lupus e melhora a nossa qualidade de vida. Só temos de vigiar alguns efeitos que podem acontecer, como nos olhos. Por isso não pares de tomá-lo!
Pois é verdade, alguns doentes lúpicos param a medicação sem indicação do médico e podem arranjar problemas sérios, evitáveis. Lembro a cortisona que não pode ser parada de repente, o Plaquinol e outros. Se não sabe sobre o assunto peça ao médico ou à enfermeira/o da consulta de doenças autoimunes, de reumatologia, ou nefrologia que lhe fale sobre isto e que lhe dê algum folheto sobre o assunto.
Bom dia do Lupus Raquel e todos vós, doentes e famílias.
Carlos Vasconcelos – Médico da Unidade de Imunologia Clínica do CHUPorto e da consulta de Doenças Autoimunes do CHTS
Professor universitário do ICBAS, Universidade do Porto