Bastonária da Ordem dos Nutricionistas defende educação alimentar 2507

Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas deu uma longa entrevista ao site da Ordem onde falou essencialmente sobre o funcionamento de cantinas e refeitórios escolares, e alertou para o fato de que as orientações do Ministério da Educação “podem não estar a ser cumpridas nos estabelecimentos de ensino”.

A Bastonária que defende uma aposta na literacia alimentar e nutricional dos portugueses, considera que o protocolo assinado no inicio de maio entre a Direção-Geral de Saúde (DGS) e a indústria alimentar em prol de uma alimentação mais saudável “foi um importante momento para a saúde dos portugueses, uma vez que a reformulação de um conjunto de produtos alimentares irá melhorar o seu perfil nutricional no que respeita aos teores de açúcar, de sal e de ácidos gordos trans, o que determinará um consumo potencialmente mais saudável. Porém, consideramos que as metas de reformulação poderiam ter sido mais ambiciosas, já que para alguns produtos se ficou aquém das reduções inicialmente previstas”.

Questionada sobre os dados estatísticos indicarem que uma má alimentação mata mais do que o tabaco, o álcool ou o consumo de droga, Alexandra Bento refere que “os hábitos alimentares inadequados são o fator de risco que mais contribui para os anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa. A alimentação adequada tem o potencial de prevenir doenças e aumentar o número de anos vividos com qualidade, assumindo, por isso, um papel de enorme importância. De acordo com o mais recente estudo “Global Burden of Disease”, a melhoria dos hábitos alimentares poderia poupar em Portugal mais de 233 000 anos de vida. A nível mundial a alimentação inadequada é responsável por um número superior de mortes do que outros riscos como o fumo do tabaco. Segundo o mesmo estudo, mais de metade de mortes relacionadas com a alimentação e 2/3 dos anos de vida saudáveis perdidos associados à alimentação resultam da excessiva ingestão de sódio e da reduzida ingestão de cereais integrais e de frutas. Contudo, mais prejudicial do que ultrapassar as recomendações dos alimentos ou nutrientes cuja presença deve ser limitada na alimentação, é não atingir as recomendações dos alimentos protetores da nossa saúde, onde se incluem os cereais integrais, a fruta e os hortícolas”.

Uma das apostas da Bastonária é a literacia alimentar e nutricional dos portugueses, e sobre isso Alexandra Bento defende que os resultados são preocupantes.

“Metade da população portuguesa terá níveis reduzidos de literacia em saúde e 40% dos consumidores não compreende a informação nutricional básica. Este valor aumenta quando a população apresentava menor nível de escolaridade. De facto, é a população com menores níveis de escolaridade que menos compreende as informações constantes nos rótulos alimentares. Estes resultados nacionais são preocupantes, revelando a necessidade de aposta na literacia alimentar e nutricional dos portugueses. Sendo a literacia alimentar a base que capacita a população para realizar escolhas alimentares saudáveis, isto é, a sustentação que permite garantir a ingestão alimentar adequada às necessidades nutricionais, a aposta no aumento da literacia alimentar da população tem o potencial de melhorar as escolhas alimentares”.

Uma das críticas recorrentes é a alimentação nas escolas e nas universidades, e sobre isso a atual assessora superior de nutrição da Administração Regional de Saúde do Norte refere que “as cantinas escolares devem oferecer refeições saudáveis e seguras que ajudem a satisfazer as necessidades nutricionais e energéticas dos seus alunos. Apesar de todas as orientações publicadas pelo Ministério da Educação para as cantinas e refeitórios escolares, a evidência sugere que estas podem não estar a ser cumpridas nos estabelecimentos de ensino. Algumas não conformidades frequentemente identificadas nas cantinas incluem a falta de variedade de produtos hortícolas na sopa, a ausência ou baixa disponibilidade de hortícolas no prato, predomínio do fornecimento de pratos de carne e ausência de leguminosas no prato. Para além do incumprimento das recomendações, regista-se frequentemente um elevado desperdício alimentar que se encontra entre os 10 e 38%, tendencialmente inferior no caso da sopa e maior no segundo prato, acompanhamentos e hortícolas. Esta realidade aparenta demonstrar fiscalização insuficiente por parte do Estado relativamente ao equilíbrio nutricional das refeições escolares disponibilizadas. Para a Ordem dos Nutricionistas a alimentação escolar constitui uma prioridade, tendo enviado no início do passado ano uma proposta concreta à Secretária de Estado Adjunta da Educação para integrar nutricionistas nas escolas em todo o país. Estes profissionais seriam responsáveis pela garantia do controlo da qualidade e quantidade das refeições escolares, nomeadamente ao nível da oferta alimentar e da higiene e segurança alimentar, assegurando simultaneamente a adequação alimentar e nutricional da oferta e a respetiva monitorização e fiscalização”.

Para Alexandra Bento “os constrangimentos económicos são um dos fatores que podem dificultar o acesso a uma alimentação equilibrada”, contudo acredita que “é possível fazer com o mesmo Orçamento do Estado, mais e melhor, é neste sentido que vai a proposta da Ordem dos Nutricionistas”.

Uma das medidas que defende seria a inclusão nos programas curriculares de aulas de educação alimentar ministrada desde os níveis inferiores.

“Existe evidência científica de que as escolas devem promover abordagens continuadas e multicompetentes, desenhando estratégias com vista a incluir a componente alimentar no currículo, que poderia ser ministrada por professores devidamente treinados para o efeito por nutricionistas. Esta medida contribuiria para aumentar a literacia alimentar e capacitar os alunos para escolhas alimentares saudáveis, trabalhando conhecimentos, comportamentos e atitudes”, refere.

Ainda sobre a alimentação escolar, e tendo em conta que há cerca de um ano entrou em vigor um decreto-lei que determinava a substituição de alimentos menos saudáveis nos bares, cafetarias e refeitórios dos hospitais, a Bastonária refere que “a Direção-Geral da Educação tem documentos orientadores da oferta alimentar para os bufetes e máquinas de venda automática, bem como para as cantinas. Contudo, na Educação são compreendidos como referenciais, e por outro lado na Saúde tratam-se de despachos com cariz obrigatório” e que “a implementação de uma medida semelhante nas escolas poderia contribuir positivamente para a melhoria da oferta alimentar. Contudo, não deve ser vista como a única medida a tomar, uma vez que a modificação da oferta alimentar deve ser acompanhada de medidas que incidam sobre a modificação da procura alimentar, como é o caso da educação alimentar, com objetivo de contribuir para escolhas alimentares saudáveis e, consequentemente, para a saúde, bem-estar e qualidade de vida das crianças e jovens”.

E para Alexandra Bento, a educação alimentar é essencial, principalmente quando a obesidade e o sedentarismo alcançam valores preocupantes nas classes etárias mais jovens.

“De acordo com o último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (2015-2016), apenas 36% dos jovens dos 15 aos 21 anos são considerados fisicamente ativos, cumprindo com as recomendações atuais para a prática de atividade física promotora de saúde. O baixo nível de atividade física representa, tal como os hábitos alimentares inadequados, um dos fatores de risco modificáveis responsáveis pelos anos de vida saudável perdidos pelos portugueses. Face à prevalência do sedentarismo em Portugal, que assume valores preocupantes nas classes etárias mais jovens, e à necessidade de melhoria dos hábitos alimentares dos portugueses, a conjugação de uma alimentação adequada com o aumento da atividade física permitirá maximizar os ganhos em saúde”.