Bárbara Beleza: Projetar o futuro, respeitando o passado 2347

Pela primeira vez na História, marcada por Alexandra Bento, a Ordem dos Nutricionistas prepara-se para escolher uma nova cara. Bárbara Beleza (38 anos; 0033N), atual presidente do Conselho Geral desta Associação Pública Profissional, quer ser bastonária e representar a classe.

É licenciada em Ciências da Nutrição pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP, onde atualmente investiga, leciona e coordena os serviços académicos), especializada em Ciências do Consumo e Nutrição, doutorada em Ciências do Consumo Alimentar e Nutrição (FCNAUP e FCUP) e encontra-se no momento a frequentar um Programa  de Liderança Executiva na Administração Pública pela Porto Business School e pela Nova SBE

Natural de Mirandela, com “perseverança transmontana”, a residir em Matosinhos, é casada e mãe de duas crianças. Gosta de ler, de cinema e de música, prioriza os momentos de qualidade em família e com amigos, e garante ser alguém em quem os colegas podem confiar. Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, a pré-candidata anunciada (7 de agosto marca a data de entrega de candidaturas, sujeitas a validação) revela os planos para quatro anos à frente da Ordem dos Nutricionistas.

Porque decidiu concorrer às eleições para bastonária da Ordem dos Nutricionistas?

Não existiu um motivo único, antes vários: Equipa, Projeto para os importantes desafios que temos e teremos no futuro, visão, vontade, energia, e muita entrega. Comecei este processo de reflexão há já bastante tempo. Na verdade, começou por ser um processo de fora para dentro, sendo que houve um conjunto alargado de colegas, que são referências para mim na profissão, que me abordaram e me transmitiram que o futuro estava à porta, e que eu devia pensar, com seriedade, nesse futuro, e constituir-me como candidata. Naturalmente que a vontade existia em mim, mas não deixou de ser um processo que, de certa forma, partiu de fora para dentro, o que torna o ímpeto maior, mais forte, e nos dá mais força para materializar essa vontade e essa intenção.

Por saber que detinha conhecimento da estrutura, da história e das ações em curso, por me identificar verdadeiramente com a missão da Ordem dos Nutricionistas, por estar envolvida nos assuntos da nossa profissão, por saber que teria reunidas as condições para avançar e que poderia contar com uma equipa muito sólida para fazer este caminho comigo, e por saber que conseguiria definir um projeto também ele sólido e ambicioso para o próximo quadriénio, aqui estou, afirmada como candidata a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas e com muita vontade de colocar o programa em ação e ao serviço de todos.

A Ordem dos Nutricionistas é muito recente, tem apenas 12 anos de vida. Enquanto Nutricionista, como avalia a história desta Associação Pública Profissional?

É efetivamente uma história de vida ainda curta,  e que avalio, acima de tudo, com respeito. Respeito por aquilo que foi construído ao longo destes 12 anos, desde o primeiro mandato, e recordando que houve um processo de negociação difícil que durou muito tempo até à criação  da Ordem dos Nutricionistas. Olho para trás e percebo que tivemos três mandatos, todos eles muito importantes, sob a direção da professora Alexandra Bento, em que o primeiro ficou claramente marcado por um processo de convergência de profissões, de dietista e de nutricionista. Tivemos um segundo mandato muito marcado pela criação das especialidades, por aquilo que hoje se configura como o regulamento n.º 55/2019 de 14 de janeiro, e um terceiro mandato de progressão naquilo que é o valor da profissão, de progressão em matéria de especialização. Haverá ações com as quais concordo mais que outras, respeito o caminho que foi feito, mas vejo que esse caminho hoje tem de ter novas ideias, uma nova visão, uma nova equipa e uma nova ambição. E é isso que almejo poder pôr em prática a partir do momento em que for sufragada e eleita para ser a próxima bastonária da Ordem dos Nutricionistas.

Podemos considerar que a sua candidatura se apresenta como um projeto de continuidade ou de rutura em relação a estas políticas?

Não sou de chaves dicotómicas de “sim” ou “não” e nesta em questão não me posiciono em nenhum dos extremos. Constituir-me como uma solução de continuidade? Não, não me constituo. Constituir-me também como uma linha absolutamente disruptiva face a tudo aquilo que já foi feito? Também não me constituo. O que tenho, sim, é um projeto renovado, com outras ambições que até ao momento não foram consideradas nos programas de ação das diferentes direções e equipas.

E que projeto é este? O seu programa ainda não foi apresentado, mas quais são as suas prioridades?

Já tornei público o lema da minha campanha: Somos Nutricionistas. Surgiu de forma muito convicta, traz garantias de segurança para quem nos procura, para o destinatário dos serviços a que temos o dever de servir da melhor forma possível, prestando os melhores cuidados nutricionais. É também uma manifestação de orgulho para todos os nutricionistas, para todos os membros da Ordem. Um movimento inclusivo, afirmativo, de futuro para aqueles que estão a chegar à profissão e que devem ser envolvidos desde a formação académica e, tão ou mais importante, uma certeza de resiliência para quem nos quer condicionar Este lema reflete- se em três grandes mensagens-chave: melhor acesso à profissão, mais dignidade para os profissionais que já estão em exercício de funções, e maior proximidade aos membros, dos mais  jovens àqueles que são mais experientes. A Ordem tem de se afirmar junto dos seus membros e não deixar de parte o seu papel na esfera dos decisores políticos e de toda a sociedade civil.

Já abordou os apelos que recebeu para se candidatar. Como caracteriza a sua equipa?

Este coletivo afirma-se representativo, plural, com referências, algumas delas absolutamente incontornáveis em diferentes áreas da atuação do nutricionista. Quiseram desde o primeiro momento “vestir esta camisola”, sentiram que tinham um contributo a dar, que queriam fazer parte de um projeto com este tipo de dinâmica afirmativa, de união, de compromisso. Toda a equipa reflete esta linha de pensamento e dinâmica, dos mais experientes aos mais jovens, e levam a realidade das suas regiões para o âmbito da Ordem dos Nutricionistas, porque há especificidades regionais que teêm que ser devidamente consideradas. Uma equipa capaz de identificar necessidades locais e globais e de apontar na direção certa, apontar para o futuro.

Relativamente ao mais jovens, apresentou recentemente um conjunto de 12 mandatários para a juventude. Estes futuros profissionais são também para si uma prioridade?

Sem dúvida. A profissão de nutricionista em Portugal é extremamente recente. Quando olhamos para o perfil dos membros da Ordem dos Nutricionistas, temos uma esmagadora maioria abaixo ou até aos 35 anos. Devem ser chamados a participar, a intervir, e a sua visão é absolutamente fundamental para a construção deste projeto. Identifiquei a líder dos mandatários da juventude, a colega Beatriz Teixeira, e constituímos uma equipa de mandatários espalhados de Norte a Sul e ilhas, que possam efetivamente fazer auscultação aos pares e expressar as necessidades dos mais jovens, num diálogo que se constrói progressivamente.

Recentemente escreveu que tem como missões unir e afirmar os nutricionistas. Sente-se online alguma discórdia por parte de alguns nutricionistas em relação à direção e a questão sensível da competência em nutrição clínica por parte da Ordem dos Médicos colocou o dedo na ferida na afirmação da profissão. A profissão está unida e afirmada?

A maioria da profissão está unida e devidamente afirmada há muito tempo. Em termos de união da classe profissional, considero que há ainda muito trabalho a fazer, não se reflete somente entre os pares, mas com a própria Ordem dos Nutricionistas. E a partir do momento em que a nossa Associação Pública Profissional, o nosso regulador, se aproxima mais dos seus membros, dá-lhes a possibilidade de interagirem e de terem estruturas de proximidade distintas, que até ao momento não existem. Promove o contato entre colegas, com a estrutura, para a afirmação da profissão em todas as suas esferas e setores. A Ordem dos Médicos entendeu avançar com essa competência, que não é uma especialidade. A Ordem dos Nutricionistas sim, tem uma especialidade em Nutrição Clínica. Desde que cada um respeite os seus próprios limites  de atuação, trabalhando em equipa, e perceba o papel dos diferentes profissionais de saúde   no contexto de uma equipa multidisciplinar, que é onde o nutricionista tem todo o dever e o direito de intervir, considero que não pode existir uma verdadeira ameaça para a profissão.

Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, a candidata Liliana Sousa considerou que a sua manutenção no cargo de presidente do Conselho Geral “não seja muito confortável”, dizendo que optaria por abdicar do mesmo para se candidatar a bastonária. Quer comentar?

O papel do presidente da Mesa de Conselho Geral é manter uma absoluta neutralidade e imparcialidade em relação ao tratamento dos diferentes temas. Sempre pautei a minha conduta dessa forma, portanto não sinto qualquer desconforto. Se o vier a sentir, serei a primeira pessoa a admiti-lo perante todos os conselheiros do Conselho Geral, a quem devo essa lealdade pessoal e institucional. Não estou presa ao cargo e nunca tive a intenção de o usar em proveito pessoal. A Comissão Eleitoral é constituída, entre outros elementos, pela Mesa do Conselho Geral. A esse respeito, tendo eu declarado publicamente, desde o dia 23 de junho, a minha intenção de candidatura, entendi pedir escusa da participação na Comissão Eleitoral. Vou fazer um paralelismo: não há memória de bastonários se terem demitido do cargo, em qualquer ordem profissional, para se recandidatarem.

Na mesma entrevista, Liliana Sousa falou em “falta de imparcialidade” e “conivência com a Direção”, dando como exemplo o Ato do Nutricionista e a questão delicada com a Ordem dos Médicos…

O Conselho Geral é constituído por 40 conselheiros e conselheiras, representativos das diferentes regiões do país e todos teêm direito a manifestar-se como entenderem no fórum próprio, preferencialmente, mas também publicamente se assim o entenderem e desde que não partilhem documentos ou informações que tenham alguma reserva associada. Podemos emitir as nossas opiniões livremente e votar como bem nos aprouver. Em matéria da Competência em Nutrição Clínica não houve qualquer falta de imparcialidade, nem estou de todo conivente com a Direção da Ordem dos Nutricionistas, nem nesse nem noutros assuntos. Aquilo que a Mesa levou ao Conselho Geral foi um documento orientador para ser amplamente discutido e chegar a uma base de consenso. Um documento que foi aprovado com modificações de carácter pontual, e que se constituiu como uma declaração de princípios daquilo que é ser nutricionista, do exercício das suas funções, sobretudo neste contexto da nutrição clínica, para conferir uma proteção adicional e para  nos ajudar a robustecer aquilo que é a nossa conduta e os nossos princípios para toda a sociedade e, aqui em concreto, junto da classe médica. Fazer perceber quais são as funções que nos são atribuídas e reconhecidas, também em matéria legal, de despachos da nossa tutela, daquilo que são os serviços de nutrição e a avaliação do risco nutricional. E também contendo a alusão ao Ato do Nutricionista e ao Nutrition Care Process. Aceito a crítica, mas não me revejo, de todo, nela. Nem nesse contexto em particular, nem nas demais reuniões do Conselho Geral.

Tem pela frente uma campanha eleitoral. Com pretende chegar aos nutricionistas?

É um caminho que já está a ser percorrido com muito planeamento, visão estratégica e um conjunto de ações que está em curso e que visam dar a conhecer a equipa, o projeto, e a candidata, com um programa robusto e extenso. A partir desse momento, [envio e validação da candidatura, após dia 7 de agosto] estarão reunidas as condições para termos muitas ações no terreno, ações de proximidade, porque é esta a Ordem que eu quero construir com o meu projeto e com as minhas pessoas. Temos de abrir as portas da Ordem, ter uma política de grande transparência, comunicação e reciprocidade, e alimentar um sentimento de pertença.

Já aqui o referimos: a Nutrição é uma área jovem em Portugal. Porque escolheu esta profissão?

O caminho da Nutrição não me surgiu naturalmente. Os meus estudos foram desenvolvidos na perspetiva de poder vir a ingressar em medicina. Uma vez que na altura a minha média não me permitiu, olhei para outras opções de formação na área das Ciências da Saúde, almejando vir a tornar-me profissional de Saúde, e deparei-me com a formação académica em Ciências da Nutrição, que na altura só existia na Universidade do Porto. Fui com algum receio, mas com o espírito aberto. Durante o primeiro ano do curso pude perceber que aquele se poderia constituir perfeitamente como um caminho muito viável para mim. E assim foi, um crescendo de aproximação às Ciências da Nutrição na escola em que me formei, e depois enquanto profissional, pessoa e cidadã. Depois de concluir a licenciatura, ingressei no primeiro ano de funcionamento de um mestrado, um segundo ciclo em Ciências de Consumo e Nutrição, em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, depois progredi para o doutoramento A partir daí, não mais parei.

A sua carreira é sobretudo dedicada à academia, em particular à FCNAUP. Podemos considerar que esta é uma segunda casa para si?

É uma morada profissional, mas também pessoal, tenho bons colegas e amigos. Comecei a trabalhar desde muito cedo na FCNAUP, as oportunidades surgiram na frequência do primeiro ano de mestrado em Ciências do Consumo, de entrar para a equipa da faculdade como técnica superior, como nutricionista, num protocolo de colaboração existente entre a faculdade e a Fundação Inatel. Foi um trabalho imensamente importante. Para além contactar com colegas experientes, implicou um périplo por todas as regiões do país e diferentes centros da Fundação Inatel, onde podíamos ministrar formação on job aos colaboradores dessas unidades e elaborar ementas e fichas técnicas. O meu primeiro trabalho iniciou-se curiosamente no Dia Mundial da Alimentação, a 16 de outubro, no contexto de uma entrevista. Não tinha sequer defendido a minha licenciatura, mas nesse dia ficou estabelecido que assim que tivesse a minha situação devidamente regularizada, teria todas as condições para  fazer a ignição dessa atividade. E comecei por trabalhar numa empresa de catering, na área da restauração, onde colaborei na elaboração de cadernos de encargos e planos de ementas. Depois, ao longo da minha colaboração com a FCNAUP, dei consultas em diversos contextos, nomeadamente em farmácias. Fazia, mais uma vez, périplos por várias zonas, por várias localidades, sobretudo a Norte. Dava consultas em muitos sítios distintos, passei por quatro Unidades de Saúde Familiares e, ao mesmo tempo, ia progredindo na minha atividade profissional no seio da  FCNAUP. Atualmente estou mais associada à academia, às atividades de docência, mas também de investigação.

Considera possuir um currículo privilegiado, ao acumular o conhecimento académico com a experiência que possui no seio da Ordem dos Nutricionistas?

Sim, traz-me vantagens competitivas. A minha atividade profissional sempre cursou com a vontade de me envolver nas questões da nossa profissão. Colaborei com a Associação Portuguesa dos Nutricionistas, atual Associação Portuguesa da Nutrição, e depois com a Ordem dos Nutricionistas. Esta visão alargada, o contato com diferentes colegas, áreas de atuação, processos de coordenação, gestão processual e conhecimentos de causa em relação àquilo que são as estruturas curriculares de ciclos de estudos na área da nutrição, acabam por me dar uma visão distinta, de profundidade. A investigação é uma área na qual precisamos urgentemente de investir mais. Partirá também da Ordem dos Nutricionistas levar a investigação mais longe, num processo que requer necessariamente o envolvimento de todas as instituições de ensino superior e os centros de investigação. É este o complemento de visões que fará toda a diferença.