A Humanidade desde cedo se destacou pela capacidade de controlar e manipular o ambiente em seu redor, contribuindo dessa forma para a sua evolução enquanto sociedade. No entanto, até que ponto estaremos protegidos destas alterações? As profundas alterações ambientais desencadeadas pelo Homem a partir da segunda metade do século XX, nomeadamente através da libertação exponencial de químicos para o ambiente, chamaram à atenção de investigadores, como a pioneira Rachel Carson, que começaram a levantar essa questão, primeiro na natureza e só posteriormente nos humanos. Atualmente, é impossível estarmos protegidos desta exposição, particularmente através da alimentação, uma das principais fontes de exposição externa. De facto, o alimento é muito mais do que um aglomerado de nutrientes, sendo também uma importante fonte de compostos com potencial tóxico. Relativamente a este assunto, existe ainda um desfasamento entre informações concretas sobre as consequências da exposição crónica a estes tóxicos e as indicações sobre a segurança dos mesmos, razão pela qual a Direção-Geral de Saúde lançou em 2015 algumas “Linhas de orientação sobre contaminantes de alimentos”. Nesse sentido, poderemos entender os contaminantes de um alimento/refeição, em 3 níveis: (1) formados durante o processamento culinário, normalmente associado à fritura, grelhado e churrasco; (2) presentes em diferentes materiais de embalamento (ex: bisfenol A e ftalatos), que em determinadas condições, como o calor, migram para o alimento; (3) presentes de forma não prevista, não intencional na matriz do alimento (ex. micotoxinas, metais pesados, dioxinas, entre outros), designadamente nos alimentos gordos de origem animal (poluentes que persistem no ambiente e se acumulam nos alimentos como pesticidas organoclorados). Uma parte significativa destes contaminantes tem atividade de alterador (ou disruptor) endócrino, interferindo, mesmo em pequenas concentrações, em diversas vias de atuação das hormonas. Adicionalmente, é já reconhecida a associação entre exposição e a doença metabólica, cancro, doença neurodegenerativa, entre outras. Existe, na comunidade científica, uma crescente preocupação e, em 2012 a OMS alertou para o facto de «o risco de doença pela exposição a químicos alteradores endócrinos poder estar a ser significativamente subestimado». Mais recentemente, foram realizados diversos estudos sobre o impacto socioeconómico dos efeitos sobre a saúde humana, revelando custos anuais de > 1% do Produto Interno Bruto [PIB] na União Europeia e de > 2% nos Estados Unidos da América, enfatizando a necessidade de uma melhor monitorização e prevenção ativa. Estes dados ganham ainda maior importância porque, muito brevemente, a União Europeia irá rever os critérios para a identificação e regulamentação dos químicos alteradores endócrinos. Numa primeira linha, será importante conhecer, também na esfera de consumos nacionais, quais os alimentos que mais poderão contribuir para esta exposição externa. Todavia, é igualmente importante conhecer a exposição interna, ou seja, biomonitorizar estes contaminantes na população e conhecer os seus efeitos. Por fim, com recurso às mais recentes tecnologias é já hoje possível avaliar o exposoma, ou seja, a medição de todas as exposições de um indivíduo ao longo da vida e como essas exposições se relacionam com a saúde, sobretudo relevante em momentos do ciclo de vida com maior suscetibilidade, nomeadamente in utero. Essencialmente, não devemos esquecer que os hábitos alimentares são determinantes para a exposição aos contaminantes. Nesse contexto, será também importante estudar o risco-benefício da ingestão de certos alimentos, como os peixes gordos, antes de os diabolizar ou isentar. Este tipo de informação será importante para a tomada de decisões informadas. Atualmente é impossível escapar à exposição aos contaminantes, mas isso não deve ser visto com alarmismo, mas sim com a responsabilidade e seriedade que o assunto merece. O nosso foco primário deverá ser na prevenção, monitorização e pesquisa de efeitos, exigindo e procurando maior transparência, partilha de informação credível e responsabilização. Só com este conhecimento será possível realmente a tomada de decisões informadas, relevante para a população em geral, mas principalmente para os profissionais de saúde e os nutricionistas em particular, com responsabilidade de dar recomendações sobre alimentação saudável. Diogo Pestana, |