Atualidades em Ciência 939

O folato desperta um enorme interesse na comunidade científica desde há várias décadas pela sua enorme importância na prevenção e no tratamento de doenças tais como o cancro, a doença cardiovascular ou defeitos do tubo neural.

O termo folato é usado genericamente para designar o conjunto de moléculas que compõem a família da vitamina B9. Estas moléculas são fundamentais para o processo de divisão celular bem como para a metilação do ADN e a regulação da expressão génica. O ácido fólico (AF, pteroilglutamato) é a estrutura parental desta família e é a forma sintética quimicamente mais estável que é por isso utilizada em suplementos vitamínicos e no enriquecimento alimentar.

Uma pesquisa da palavra “folate” na pubmed devolve 52.035 resultados (comparado por exemplo com 22.902 para o termo “omega 3 fatty acids” ou 13.770 para “polyphenols”) com a primeira publicação datada de maio de 1943.

Contudo, a história do folato remonta a 1931, a um estudo de Lucy Will que descreve a existência em extrato de levedura de um “agente curativo” da anemia macrocítica tropical em mulheres grávidas na Índia, com uma potência terapêutica semelhante à do extrato de fígado. Mais tarde, em 1941 o AF foi isolado da folha de espinafre (daí a designação “fólico” de “folium”=folha (lat.)) e em 1943 foi sintetizado na sua forma pura cristalina.

Mas foi apenas meio século mais tarde, nos anos 90 do século passado, que foi evidenciada a relevância do AF na prevenção dos defeitos do tubo neural ou da doença cardiovascular, nesta última pela sua capacidade efetiva de baixar os níveis circulantes de homocisteína. Estas descobertas constituíram marcos importantíssimos no conhecimento sobre o AF e fizeram disparar as publicações científicas na área bem como a legislação de saúde pública, globalmente, no que respeita à produção e distribuição de alimentos funcionais, bem como às recomendações de suplementação clínica.

Hoje, quase duas décadas após a introdução do enriquecimento de farinha e cereais com AF como medida de prevenção dos defeitos do tubo neural, lidamos com a inquietação de o aporte de AF exceder os valores máximos recomendados.

Como referido, o folato utilizado no enriquecimento alimentar é o pteroilglutamato, uma forma que não existe naturalmente nos alimentos. Embora o nosso organismo tenha a capacidade de metabolizar o pteroilglutamato transformando-o em folatos naturais, como o metiltetrahidrofolato, este processo fica saturado para doses próximas dos 400 microgramas. Doses superiores implicam assim a exposição ao pteroilglutamato não metabolizado que poderá, por exemplo, comportar-se como inibidor competitivo dos transportadores membranares e das enzimas metabolizadoras dos folatos naturais, interferindo assim em todo o metabolismo celular do folato, com implicações evidentes na divisão celular e na regulação epigenética.

São diversos os trabalhos científicos que vêm sugerindo efeitos adversos do excesso de AF tais como o risco aumentado de certos tipos de cancro, de disfunção cognitiva, ou o efeito programador intergeracional de disfunção metabólica. Muitos destes estudos mostram que certos grupos populacionais (tais como os idosos, indivíduos deficientes em vitamina B12 ou portadores de polimorfismos específicos) podem ser particularmente suscetíveis aos efeitos prejudiciais do excesso de AF.

As políticas alimentares atuais espelham a filosofia Hipocratesiana do alimento-medicamento e do medicamento-alimento. Na verdade, para o alimento, tal como para o medicamento, vale sempre a pena recordar que a qualidade, o período de ingestão/administração, a quantidade e o contexto são palavras de ordem, chave para o sucesso terapêutico.

Particularmente no que respeita ao AF, são inquestionáveis os efeitos benéficos da profilaxia dos defeitos do tubo neural com doses na ordem das centenas de microgramas. Apesar disto, é urgente repensar globalmente a quantidade a administrar, bem como o contexto genético e alimentar específico de cada indivíduo.

Elisa Keating,
Professora Auxiliar, FMUP
Investigadora, CINTESIS