De uma forma simplificada, poderemos considerar a inflamação aguda uma resposta, desejável, do organismo a uma agressão, a um ataque, ou a uma invasão. Faz parte das respostas do organismo a fenómenos que alteram a sua homeostasia e por isso o organismo reage para a restabelecer. Alguns dos mediadores envolvidos neste tipo de resposta são sintetizados a partir de ácidos gordos com vinte átomos de carbono (eicosanóides inflamatórios). Se esse ácido gordo, presente nas membranas celulares e libertado para o citosol, após a estimulação da célula, é o ácido araquidónico (AA, 20:4, ómega 6), então formam-se prostaglandinas, leucotrienos, entre outros, que conduzem a modificações que, em geral, dizem respeito a fenómenos de sobrevivência, de reação e de adaptação. No entanto, este processo adaptativo, de resposta, a “inflamação”, deve ficar resolvido no tempo, isto é, o organismo deve ser capaz de pôr fim à inflamação. Assim, deve seguir-se a formação de compostos anti-inflamatórios derivados de outro ácido gordo com vinte átomos de carbono, mas da família ómega 3, o ácido eicosapentaenoico (EPA, 20:5, ómega 3), também presente nas membranas celulares (se presente na dieta!). Este ácido gordo tem um potencial anti-inflamatório pelo facto de ser também precursor de prostagladinas, leucotrienos, entre outros, mas que em geral são biologicamente menos ativos que os produtos do AA. Mais, o EPA origina também resolvinas, que resolvem a inflamação e neuroprotectinas, com funções neuroprotectoras. O EPA, ele próprio, pode ligar-se a recetores nucleares, inibindo a transcrição do fator inflamatório NFkB. A inflamação (aguda), como sinal de que o organismo está a tentar defender-se, deve ter um início mas também um fim. Se o organismo está sujeito a inúmeras “agressões” ativa repetidamente o processo inflamatório e, não tendo capacidade de resolver essa inflamação, resulta numa inflamação crónica de baixo grau. Esta associa-se a fenómenos tais como a resistência à insulina, a inibição da síntese do fator neuroprotector BDNF e até, ao aumento da transcrição da enzima responsável pela degradação do triptofano o que leva a uma menor disponibilidade deste aminoácido para a síntese do neurotransmissor serotonina. Da atualidade científica, considera-se que para um tratamento mais eficaz da depressão não basta considerar na terapêutica apenas a hipótese da disfunção monoaminérgica. Desta forma, compreende-se que o combate à inflamação, à neuroinflamação, seja terapeuticamente uma estratégia importante e que poderá até ajudar a ultrapassar muito do insucesso das terapias farmacológicas mais clássicas (ex. com fármacos inibidores da recaptação da serotonina). Assim, atualmente, e neste contexto, para além do plausível benefício de estratégias de combate à inflamação, existe já evidência científica para o benefício das intervenções associadas à suplementação com ómega 3. A revisão de ensaios clínicos com ómega 3 mostra que não é igualmente eficaz uma intervenção com um qualquer ómega 3 ou com uma qualquer mistura. Meta-análises mostram que intervenções com EPA e DHA (docosahexaenoico, 22:6, ómega 3) são eficazes, mas apenas misturas com uma quantidade de EPA igual ou superior a 60% apresentam-se com efeito benéfico na depressão major ou nos sintomas depressivos. Não será muito surpreendente se tivermos em consideração que, de facto, e pelo exposto, é o EPA o composto com maior atividade anti-inflamatória e, será um estado de (neuro)inflamação crónica, não resolvida, que está em causa. Noutras doenças com, por exemplo, comprometimento da memória, como a doença de Alzheimer, a evidência aponta para benefícios sobretudo do DHA. No entanto, porque há também o envolvimento de um componente inflamatório nesta detioração cognitiva, é importante a ingestão de EPA. Nesta situação recomenda-se uma maior proporção de DHA. Em resumo, a presença destes ácidos gordos na dieta e a proporção entre eles, sobretudo entre o AA (ómega 6) e o EPA (ómega 3) pode ser determinante na forma como se consegue ter um processo inflamatório capaz das suas funções mas capaz também de resolver-se no tempo. Não sendo o EPA nem o DHA ácidos gordos essenciais do ponto de vista metabólico, pois temos as enzimas necessárias à sua síntese, podemos considerá-los em alguns contextos patológicos ou fases da vida essenciais na dieta. Se considerarmos a razão AA/EPA nas dietas atuais, talvez se compreenda melhor a origem de tantas disfunções metabólicas em que a inflamação crónica de baixo grau está envolvida. Conceição Calhau, |