O microbiota intestinal é constituído por inúmeros microrganismos, principalmente bactérias, que apresentam uma relação simbiótica com o seu hospedeiro. Estes microrganismos e os seus metabolitos têm demonstrado um papel importante na regulação metabólica do hospedeiro, podendo inclusive influenciar o desenvolvimento e agravamento de doenças metabólicas, como a Diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). A DMT2 está associada à disbiose, ou seja, ao desequilíbrio desta relação simbiótica. Apesar de não haver um consenso no que concerne ao tipo de microorganismos que estão alterados, uma vez que esta informação está associada às características da população em cada estudo, sabe-se que na DMT2 ocorre uma redução significativa das bactérias produtoras de butirato. Os ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) resultam da fermentação bacteriana de amido resistente e polissacarídeos não digeríveis e, por isso, estão presentes em maior concentração numa alimentação rica em fibra e hidratos de carbono complexos. A função destes AGCC é mediada pela ligação aos recetores GPR41 e GPR43, resultando no aumento dos níveis plasmáticos de GLP-1 e do peptídeo YY, e, assim, na homeostase da glicose e na redução do apetite. Além disso, os AGCC têm um importante papel na modulação da integridade da barreira intestinal pela estimulação da libertação de GLP-2, prevenindo a passagem de bactérias e moléculas pró-inflamatórias para a submucosa e circulação sistémica. A translocação do componente da parede celular das bactérias gram-negativas, o lipopolissacarídeo (LPS), resulta num estado inflamatório crónico de baixo grau conhecido por Endotoxemia metabólica que contribui para a resistência à insulina, característica da DMT2. Além dos AGCC, o ácido indolepropiónico (AIP) também é um metabolito do microbiota intestinal. Este metabolito é produzido a partir do triptofano através de uma série de reações dependentes de enzimas bacterianas e é caracterizado por ser um potente antioxidante com ação anti-inflamatória. Resultados de investigação pre-clínica, no rato, a suplementação com AIP reduziu os níveis plasmáticos de glicose e insulina assim como o índice de HOMA. Os resultados do Finnish Diabetes Prevention Study indicam que o AIP está associado a um aumento da ingestão de fibra, à redução da inflamação crónica de baixo grau, a uma maior secreção de insulina e a um menor risco de desenvolver DMT2. Outro estudo verificou que indivíduos obesos com DMT2 apresentam níveis de IPA mais baixos comparativamente a indivíduos normoponderais. Quando os mesmos indivíduos obesos são submetidos a cirurgia bariátrica, os níveis de IPA aumentam. A trimetilamina é outro composto orgânico também sintetizado unicamente pelo microbiota intestinal, particularmente pelas bactérias produtoras de trimetilamina, a partir de fosfatidilcolina, colina ou carnitina obtidos principalmente pela ingestão de alimentos de origem animal como queijo, ovos, carne e marisco. A trimetilamina é substrato de enzimas de biotransformação, sobretudo hepáticas (FMO – mono-oxigénases de flavina), originando o N-óxido de trimetilamina (TMAO) que está envolvido em diferentes processos fisiológicos e patofisiológicos como a deposição e remoção de colesterol do epitélio endotelial. Os seus níveis aumentam quando há uma maior proporção de bactérias produtoras de trimetilamina (disbiose). Sabe-se que o aumento das concentrações plasmáticas de TMAO estão associadas a um maior risco de desenvolver DMT2. Segundo um estudo prospetivo, os níveis de TMAO são superiores nos indivíduos com a patologia já instalada e estão associados a um maior risco de eventos cardiovasculares adversos e ao aumento da mortalidade. A prova de conceito foi realizada no ratinho, verificando-se que a suplementação com TMAO e uma dieta rica em gordura diminuía significativamente a tolerância à glicose quando comparado com uma dieta apenas rica em gordura. Mais ainda, a suplementação com TMAO reduziu a sensibilidade à insulina a nível hepático e aumentou a inflamação no tecido adiposo. Assim, a alimentação influencia a concentração plasmática dos metabolitos com origem no microbiota intestinal. Se por um lado a alimentação rica em proteína animal (e, por consequência, pobre em hortícolas) promove a ocorrência da disbiose e o aumento dos níveis de TMAO, por outro lado, uma dieta com predomínio de proteínas de origem vegetal está associada a um melhor controlo glicémico e a níveis inferiores de HbA1c. Além disso, uma alimentação rica em fibra e hidratos de carbono complexos promove o aumento dos níveis plasmáticos de metabolitos com efeito protetor e preventivo, os AGCC e o AIP. Deste modo, devido ao importante papel da alimentação na modulação da composição do microbiota intestinal e dos seus metabolitos na DMT2, surge um novo caminho para melhorar o controlo glicémico da DMT2 ou até mesmo prevenir o desenvolvimento desta patologia mediante dietas seletivas, probióticos e prebióticos para corrigir a disbiose e promover a integridade da barreira intestinal. Shámila Ismael (3707N), Investigadora Junior ProNutri, CINTESIS, Mestrado Nutrição Clínica FCNAUP. Nova Medical School, UNL |