Doença de Alzheimer ou diabetes mellitus tipo 3? 1084

Em Portugal, temos vindo a assistir nos últimos anos a um envelhecimento demográfico, como de resto tem acontecido na maioria dos países desenvolvidos. De acordo com as projeções nacionais, prevê-se que, em 2030, os idosos representem cerca de 26% da população. Estamos a viver mais, mas mais incapacitados do ponto de vista da saúde mental. Segundo o relatório anual “Health at a Glance”, referente a 2017 da OCDE, Portugal é o 4º país com mais casos de demência por cada mil habitantes.

A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, representando 60 a 80% dos casos. A idade, o sexo, os antecedentes familiares e a presença de diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) são fatores de risco associados ao desenvolvimento da doença.

Durante décadas, prevaleceu a hipótese de que o processo de neurodegeneração decorria da presença de uma ou mais características específicas associadas à doença de Alzheimer, nomeadamente a acumulação da proteína β-amiloide, agregação da proteína tau ou neuroinflamação. Mais recentemente, estudos clínicos consideram esta doença como metabólica, na qual o cérebro, devido ao aumento da resistência à insulina, perde a capacidade de utilizar eficientemente a glicose no metabolismo energético, e deixa de responder a estímulos. De facto, as consequências bioquímicas no sistema nervoso central (SNC) comprometem a sobrevivência neuronial, a expressão génica, a plasticidade e a integridade da substância branca, e as funções neuroendócrinas e neurotróficas. Mais ainda, deficiências na captação e utilização da glicose para obtenção de energia fazem com que o cérebro entre num estado de privação energética, ficando mais suscetível ao stresse oxidativo, desequilíbrios na homeostasia e aumento da morte celular.

Devido às semelhanças e interligação dos mecanismos metabólicos que ocorrem na DMT2 e doença de Alzheimer, um grupo americano liderado por Suzanne de la Monte sugeriu uma nova definição para a doença: diabetes mellitus tipo 3 (DMT3). Este grupo caracterizou a DMT3 como um estado crónico de resistência à insulina no SNC que pode ocorrer em simultâneo com a DMT2. Esta resistência à insulina crónica, também presente na DMT2, medeia a neurodegeneração através do aumento da expressão e fosforilação da proteína tau, acumulação de proteína β-amiloide, diminuição do metabolismo da glicose com consequente ocorrência de stresse oxidativo, aumento da disfunção mitocondrial e ativação de cascatas de sinalização pró-inflamatórias e indutoras de apoptose, contribuindo para o desenvolvimento da doença de Alzheimer.

Apesar da crescente evidência a favor desta hipótese, alguns autores defendem que esta relação é pouco fundamentada, indicando que não existe consistência na evidência de que o cérebro na doença de Alzheimer seja hiperglicémico. Para além disto, afirmam ainda que em indivíduos com doença de Alzheimer, a resistência à insulina no cérebro não interfere com a captação de glicose pelos neurónios e que esta pode ocorrer na ausência de DMT2.

Face ao exposto, é importante esclarecer que nem todos os indivíduos com DMT2 irão desenvolver a doença de Alzheimer, nem os indivíduos com esta doença neurodegenerativa terão DMT2.

A melhoria dos estilos de vida, entre os quais se encontra a alimentação, constitui um fator protetor quer na DMT2 como na doença de Alzheimer. Padrões alimentares que privilegiem o consumo de alimentos de origem vegetal, ricos em antioxidantes e ainda o consumo de fontes de ácidos gordos ómega-3 (EPA e DHA), como o peixe gordo, estão associados a uma diminuição do risco de desenvolver ambas as doenças. Particularmente, os ácidos gordos ómega-3, EPA e DHA, devido à ação anti-inflamatória e imunomoduladora, têm apresentado benefícios na prevenção e tratamento da neurodegeneração.

Mais ainda, sabendo que os hábitos alimentares podem influenciar a produção ou agregação de proteínas β-amiloide através da modulação do microbiota, o consumo de hortofrutícolas, cereais integrais, leguminosas e pescado em detrimento de alimentos processados ou com elevado teor de gordura saturada, açúcar e sal podem estar associados a uma menor acumulação destas proteínas no cérebro.

Assim, a adoção de hábitos alimentares saudáveis, como é o Padrão Alimentar Mediterrânico, podem ser eficazes na diminuição do estado de inflamação crónica de baixo grau e da acumulação da proteína β-amiloide, prevenindo ou melhorando os sintomas associados à doença de Alzheimer.

Posto isto, são necessários mais estudos que analisem o impacto da alimentação neste novo conceito de DMT3 e que clarifiquem o papel do microbiota na etiologia da doença de Alzheimer, permitindo estabelecer medidas preventivas e/ou terapêuticas mais eficazes.

Inês Castela,

Iinvestigadora junior Pronutri, CINTESIS, NOVA Medical School