Microbiota como O desafio terapêutico 2024

No trabalho publicado no “The Lancet Public Health” de agosto, mostra que as dietas low-carb (<40%), populares entre as “dietas para perda de peso” assim como as dietas ricas em hidratos de carbono (>70%), se associam a maior mortalidade (menos anos de vida). Ora não só esta conclusão não nos causa surpresa, uma vez que como em quase tudo em alimentação e nutrição tem comportamento de hormesis (curva em U), ou seja, deficiência e excesso estão associados a risco, como ainda reforça outras conclusões que têm vindo a ser estudadas na área do microbiota e doença metabólica.

Este artigo conclui ainda que a esperança de vida é menor nos indivíduos que, com a dieta low-carb, direcionam o consumo de proteínas e gorduras para alimentos de origem animal. Quando a dieta é low-carb e as proteínas e lípidos ingeridos são de origem vegetal, isso já não acontece.

Considerando o que já se sabe sobre a importância do microbiota para a síntese do metabolito aterogénico TMAO (óxido de trimetilamina), repare-se que este mês de agosto o enfoque na revista “Nature Medicine” foi para o desenvolvimento de um fármaco direcionado para a inibição do sistema enzimático bacteriano, que é responsável pela conversão da carnitina/colina (presentes em fontes de proteína de origem animal) em TMA (trimetilamina) – metabolito bacteriano que é seguidamente convertido em TMAO nas células humanas (por ação de FMO, monoxigenases de flavina). Note-se que em estudos clínicos foi mostrado que o TMAO é um preditor forte de futura doença cardiovascular.

Associando as duas publicações que acontecem no mês de agosto, sublinha-se o papel do microbiota na relação da dieta com a doença, neste caso, sobretudo a cardiovascular. Assim, e associando os factos, sabe-se que quando as dietas são low-carb, com ingestão de proteína animal, teremos mais substrato e, consequentemente, a promoção do crescimento das bactérias capazes de fazer a síntese de TMA (e depois TAMO). Indivíduos com um desvio alimentar que ingerem insuficientes quantidades de hortícolas (tipicamente western diets), e mais, muita mais, carne, terão alterações do microbiota, com predomínio de bactérias proteolíticas e menos crescimento de bactérias sacarolíticas (que utilizam as fibras alimentares). Assim, pelo menos em parte este facto contribuirá para o risco das dietas low-carb (se com ingestão de maioritariamente proteína e gordura animal).

Mais, ainda, curioso foi ter estado este mês de agosto em discussão na comunicação social o assunto do glifosato e da sua toxicidade. Pois o assunto acaba por ter também relação com o microbiota.

Há muito que se vem sabendo que as bactérias intestinais (microbiota intestinal) são “sensíveis” aos aditivos alimentares (edulcorantes artificiais não calóricos, emulsionantes e outros) associando a exposição a estes a alterações do microbiota e estas a um perfil inflamatório. Assim, a alteração (disbiose) do microbiota intestinal está associada a um aumento da inflamação crónica de baixo grau e esta à resistência à insulina.

O glifosato, herbicida usado para impedir o crescimento das ervas daninhas, tem como mecanismo de ação, a inibição da via do chiquimato (precursor de aminoácidos aromáticos, como o triptofano). Uma via que existe nas células vegetais e não existe nas células animais (daí a sua ação seletiva). No entanto, sabe-se que há bactérias intestinais (boas) que dependem desta via. Assim, é porque o glifosato e/ou outros componentes presentes na formulação (ex emulsionantes), altera a microbiota intestinal, sobretudo prejudicando o crescimento das bactérias “boas”, que se atribui parte da sua toxicidade (além da carcinogenicidade).

Recentemente um trabalho do nosso grupo publicado na revista “Scientific Reports” mostrou que para contrariar o impacto das dietas high-fat, na sua relação com a neuroinflamação, o consumo de antocianinas, presentes nos pequenos frutos, aumenta os níveis de ácido quinorénico, um neuroprotector que é sintetizado a partir do triptofano, efeito dependente das bactérias intestinal – efeito prebiótico e psicobiótico. Na prática, e em conclusão, o que de benéfico pode ter o consumo regular de antocianinas (presentes nos pequenos frutos, por exemplo), pode ter de prejudicial a presença de glifosato na alimentação.

Tudo se relaciona e nos faz refletir como muitas vezes o microbiota intestinal é negligenciado, como isso se pode relacionar com os mecanismos de doença (toxicidade) e como uma visão mais holística poderá ajudar na prevenção/tratamento das principais causas de morte da atualidade médica.

Conceição Calhau,

Professora Associada com Agregação, Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School, UNL
Coordenadora do grupo de investigação Medicina Preventiva & Desafios Societais, ProNutri, CINTESIS.