Alimentos vs. suplementos: qual a melhor opção? 1530

Segundo legislação portuguesa, europeia e norte americana, os suplementos alimentares são definidos como géneros alimentícios, ou seja, alimentos, e têm como objetivo complementar o regime alimentar normal. Recentemente o Comité Olímpico Internacional, no seu consenso acerca do uso de suplementos alimentares em atletas de alto nível, definiu um suplemento alimentar como um alimento, um composto de um alimento, um nutriente ou um composto não alimentar.  Ou seja, um suplemento é considerado um alimento e um alimento pode funcionar como um suplemento. Sendo assim, por qual se deve optar?

Na verdade, a temática de alimentos vs. suplementos não é recente. Já no ano 2000, Halliwell considerava que o efeito protetor da alimentação não era equivalente ao efeito protetor de determinados compostos, neste caso, dos antioxidantes. No seu artigo, o autor dava o exemplo de que dietas ricas em betacaroteno, uma substância antioxidante, protegiam contra o desenvolvimento de cancro, mas que o betacaroteno parecia não ser o agente protetor. De facto, posteriormente surgiram vários trabalhos (JAMA e Cochrane), com um grande peso do ponto de vista científico, a concluir que a suplementação com antioxidantes parecia estar relacionada com o aumento da mortalidade. Exemplo disto, um ensaio clínico publicado em 1996 no NEJM, que pretendia estudar o efeito da ingestão combinada de betacaroteno e retinol em mais de 18 mil pessoas com alto risco de desenvolver cancro do pulmão, teve de ser interrompido quase dois anos antes do previsto devido ao aumento substancial do número de casos de cancro do pulmão e de mortes no grupo de intervenção.

Em relação aos antioxidantes em particular, parece ser a dose (como em quase tudo) que determina um efeito positivo ou negativo. Apenas para clarificar, um antioxidante é uma substância que ajuda na redução do stresse oxidativo. O stresse oxidativo, por sua vez, é definido como um desequilíbrio entre substâncias oxidativas e a nossa defesa antioxidante em favor dos oxidantes, que poderão causar danos em estruturas celulares como DNA, proteínas e lípidos. De qualquer modo, uma certa dose de oxidantes também parece ser necessária para algumas respostas adaptativas positivas. Esta é uma das possíveis razões para que doses adequadas de antioxidantes, conseguidas através de uma alimentação rica em hortofrutícolas, pareçam ser protetoras enquanto que doses suprafisiológicas, ingeridas geralmente na forma de suplementos, pareçam levar a efeitos deletérios. Ou seja, e segundo o efeito de hormesis, a ingestão de um nutriente dentro da sua dose nutricionalmente adequada relaciona-se com uma função fisiológica ótima, mas doses de ingestão demasiado elevadas poderão ser prejudiciais, sendo que nestas quantidades os antioxidantes poderão, inclusive, atuar como pró-oxidantes e ter o efeito inverso ao desejado. Por estes motivos, por exemplo para os atletas, tem sido recomendado a não utilização de suplementos antioxidantes; os atletas deverão, em vez disso, focar-se numa dieta balanceada, energeticamente adequada e rica em alimentos com um conteúdo interessante em antioxidantes. Mas este fenómeno não acontece apenas com os antioxidantes.

Muito recentemente, uma nova revisão da Cochrane acerca da suplementação em ácidos gordos ómega 3 de cadeia longa, conclui que esta tem pouco ou nenhum efeito na saúde cardiovascular e na mortalidade. No mesmo sentido, uma recente revisão acerca da suplementação de vitamina D e cálcio, concluiu não haver benefício desta suplementação na prevenção primária de fraturas; por outro lado, a suplementação destas duas substâncias em conjunto foi associada ao aumento da incidência de litíase renal.

De qualquer modo, existem situações particulares que o recurso a suplementos alimentares parece ser uma mais-valia. Algumas destas situações são, por exemplo, a toma de micronutrientes específicos após cirurgia bariátria, a suplementação durante a gravidez, e a suplementação em micronutrientes específicos em situações de comprovada deficiência. É importante referir que qualquer carência nutricional deverá ser sempre identificada antes da prescrição do suplemento. Para tal, é necessária uma minuciosa avaliação nutricional, que deverá incluir a avaliação da ingestão alimentar e de marcadores sanguíneos ou urinários apropriados. No caso dos atletas, o recurso à suplementação em proteína, por exemplo, também é recorrente. Neste contexto, é necessário perceber se existe uma verdadeira necessidade de suplementar, uma vez que o aporte proteico via alimentação já é, muitas vezes, suficiente. Considerando ainda o exercício físico, suplementos como a creatina e cafeína são amplamente utilizados devido ao seu efeito comprovado na melhoria do rendimento desportivo. Importa referir que o risco de contaminação é algo bem real, podendo ir até 15% dos suplementos. E não se pense que a contaminação apenas ocorre em suplementos diretamente relacionados com o rendimento desportivo, porque existem relatos de contaminação de multivitamínicos, suplementos de vitamina C e de magnésio com esteroides anabolizantes.

A indústria dos suplementos alimentares tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos. E, de facto, muita investigação científica tem sido conduzida no sentido de compreender o verdadeiro impacto da suplementação e da alimentação na saúde. A suplementação, que parecia há uns anos ser uma solução relativamente fácil e prática, parece agora poder ter outros contornos e um possível impacto negativo em algumas situações particulares. O paradigma parece estar, de facto, a mudar. E esta mudança deverá ser nossa contemporânea, uma vez que o século XXI foi considerado o momento para a passagem de uma abordagem focada nos nutrientes para recomendações baseadas em alimentos.

Mónica Sousa,
Professora de Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, UNL
Unidade Universitária Lifestyle Medicine, CUF by NOVA Medical School
Investigadora ProNutri, CINTESIS