O mês de março foi muito fértil no que diz respeito às publicações científicas na área das ciências da nutrição. Muitos dos achados científicos publicados durante o mês de março relacionam-se com o microbiota. De acordo com Phoebe Lin (“Current Opinion in Ophthalmology”), as doenças oculares como a uveíte ou mesmo a degenerescência da mácula associada à idade, ambas partilhando um componente inflamatório, associam-se a disbioses (alteração do equilíbrio do microbiota) e beneficiam de estratégias terapêuticas capazes de modular o microbiota. Destas, destaque particular para probióticos/prebióticos, alterações da dieta que promovam o crescimento de bactérias comensais capazes de produzir metabolitos, como ácidos gordos de cadeia curta, com efeito benéfico na uveíte HLA-B27 positivo (uveíte autoimune), ou mesmo o transplante fecal. Assim, este artigo conclui que o microbiota intestinal é potencialmente crucial para as doenças oculares com componente inflamatório, constituindo um alvo terapêutico a ter em atenção. Também no mês de março, mas na revista “Nature Medicine”, foi publicado um artigo de Cynthia Sears que chama a atenção para a importância do microbiota intestinal com efeitos benéficos no sistema imunológico e, portanto, exercendo desta forma uma ação antitumoral. Sobre os mecanismos para esta relação sabe-se pouco mas adiantam-se 3 hipóteses: (1) o microbiota intestinal tem efeitos diretos, benéficos, no sistema imunológico; (2) o microbiota intestinal aumenta o número de células intestinais imunológicas; (3) metabolitos das bactérias comensais interagem com o sistema imunológico favorecendo uma atividade antitumoral por parte das células T. Na revista “Nature”, Lisa Maier publica um artigo cujos achados evidenciam uma forte relação entre fármacos de diferentes grupos terapêuticos com alterações no microbiota, tais como antidiabéticos orais (metformina), anti-inflamatórios não esteroides, antipsicóticos atípicos, ou ainda inibidores das bombas de protões. Assim, estes dados são relevantes na compreensão da dimensão do problema médico atual, resistência a antibióticos. Ou seja, não será apenas a exposição a antibióticos, mas também a todo um conjunto de fármacos, que estará a contribuir para o aumento da dimensão do problema da infeção por Clostridium difficile, e a multiresistência a antibióticos. Todo este conhecimento sublinha a importância do papel modulador que a dieta, e em particular prebióticos ou mesmo probióticos, pode exercer de benéfico neste contexto. Obviamente, sabendo-se que a dieta altera o microbiota, que um padrão alimentar, por exemplo, pobre em hortofrutícolas estará associado a uma diminuição de comensais sacarolíticas, ainda maior poderá ser a vulnerabilidade a infeção com microorganismos multirresistentes, como o C. difficile. Na revista “Nature Microbiology” fica o desafio para o nutricionista. De acordo com Melanie Tramontano, o metabolismo das bactérias, e o seu transcriptoma, está dependente do alimento que é oferecido à bactéria. Assim, o que é o dia alimentar do hospedeiro, tem impacto direto e imediato no microbiota intestinal, o que faz com que saber mais sobre de que se alimentam os diferentes grupos de bactérias e, de que forma isso poderá modular os metabolitos do microbiota, é um novo desafio no campo das Ciências da Nutrição. Mais, ainda este mês e relativamente à NAFLD (nonalcoholic fatty liver disease), e à associação da disbiose à sua fisiopatologia, Nazarii Kobyliak publicou na revista “Journal of Gastrointestinal and Liver Diseases” os resultados de um RCT (randomized placebo-controlled trial) cuja intervenção durante 8 semanas em doentes com diabetes tipo 2 e NAFLD com uma mistura de 14 bactérias dos grupos Bifidobacterium, Lactobacillus, Lactococcus, Propionibacterium melhorou os outcomes quer primários (acumulação de lípidos no fígado), quer secundários (perfil inflamatório e atividade das aminotransferases). Esta atualização neste campo, que acontece este mês, reforça o investimento na investigação, nos ensaios clínicos e na intervenção baseada na evidência sobretudo considerando o conhecimento que existe sobre a associação entre a exposição a antiobióticos, especialmente durante os primeiros dias de vida (in utero e primeiro ano de vida), sobretudo dos grupos da vancomicina, macrólidos, tetraciclinas ou amoxicilina, e a obesidade em idade pediátrica e adulta. Assim, mais do que uma preocupação clínica com a diarreia associada aos antibióticos, manifestação aguda, devemos ainda reforçar a preocupação com a prevenção do efeito que a toma de antibióticos, ou outros fármacos (como acima foi referido), tem no microbiota e, por consequência, na disfunção metabólica. De acordo com a revisão Cochrane de 2015, no que diz respeito à diarreia associada aos antibióticos, em crianças, a evidência à data apontava para benefícios da intervenção com Lactobacillus rhamnosus ou Saccharomyces boulardii. Por último, numa área distinta mas em atual relevo, a nutrição no desporto, é publicado um artigo chamando a atenção para as diferenças marcadas entre o microbiota de uma população sedentária por comparação com atletas. Chamando ainda a atenção que a diferença não está só ao nível da composição do microbiota, mas também dos metabolitos, com particular atenção para a menor quantidade de ácidos gordos de cadeia curta presentes no grupo de indivíduos sedentários. Reforçando-se, assim, a atenção para o paradigma microbiota intestinal-dieta-exercício físico. Mais, pelos dados publicados, a melhoria com a dieta do perfil do microbiota e dos seus metabolitos, tem impacto na performance do atleta, pelo que fica sublinhada a relevância da dieta-microbiota intestinal na área do desporto. Conceição Calhau, Professora Associada com Agregação, Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School, UNL |