O leite materno é o alimento cuja receita tem vindo a ser exaustivamente estudada pela comunidade científica. Um esforço que torna possível o desenvolvimento de leites de fórmula cada vez mais adaptados e no sentido de ser possível atingir os potenciais máximos de desenvolvimento do bebé. Apesar de consensual de que o leite da mãe é o melhor para o bebé, também deve ser possível aceder a alternativas quando, por uma qualquer razão, o bebé não se pode alimentar do leite da sua mãe. Ao longo dos anos, e com a evidência cada vez mais detalhada sobre a composição do leite materno, temos leites mais “adaptados” sobretudo em relação à composição de gordura cada vez mais próxima à encontrada no leite materno, ou seja, abundância de ácidos gordos insaturados de cadeia longa. Mais recentemente, e dada a relevância reconhecida do microbiota intestinal, e da importância da alimentação no primeiro ano de vida na colonização e modulação do microbiota intestinal, o efeito bifidogénico do leite materno passou a ser uma prioridade na “cópia” atingida em algumas fórmulas. Os oligossacarídeos com efeito prebiótico mais conhecidos e adicionados às formulas têm sido os GOS e FOS, mas que são muito distintos dos oligossacarídeos que existem no leite humano (HMOs). O leite materno tem 3 constituintes maioritários, a lactose, a gordura e os HMOs (5-15 g/L). São já descritos mais de 200 HMOs. Os HMOs são quimicamente produtos da combinação de lactose, ácido siálico e fucose. Das múltiplas combinações podemos dividir os HMOs em 3 classes: fucosilados, neutros não-fucosilados e acídicos (com ácido siálico). Sabe-se que a presença destes HMOs no leite materno é distinta ao longo do período de lactação e ainda são diferentes entre mães, dependendo muitas vezes de características genéticas. Assim, as “mães secretoras”, que na glândula mamária expressam fucosiltransferase tipo 2 (FUT2) e Lewis +, que expressam a fucosiltransferase tipo 3 (FUT3), possuem a capacidade de produzir HMOs com fucose. Os HMOs são relevantes porque estão associados a efeitos benéficos no microbiota intestinal tais como: efeito bifidogénico; anti-adesão de microorganismos patogénicos à mucosa intestinal por interação lectina-glicano, mimetizando os glicanos da superfície da mucosa, atuando como recetores de patogénios; expressão de proteínas das junções apertadas, contribuindo para a impermeabilidade intestinal; proteção imunológica; neurodesenvolvimento, sobretudo dos HMOs com ácido siálico; proteção natural contra a NEC; entre outras. O conhecimento cada vez maior, quer bioquímico, quer metabólico dos HMOs veio trazer avanços mas ainda estão muitas questões em aberto, tecnológicas mas também biomédicas. Sobretudo uma enorme curiosidade sobre a razão, eventualmente evolutiva, mas inequivocamente genética, para a existência dos fenótipos “mães secretoras” e “mães não secretoras”, variando na presença ou na ausência, respetivamente, de fucosil-HMOs. Será isto uma vantagem para o respetivo filho? Mas uma dificuldade, por exemplo, quando consideramos “leites de dadora”? Será isto uma oportunidade para o desenvolvimento de leites de fórmula ainda mais personalizados se forem produzidas fórmulas “secretoras” e outras “não secretoras”? A estas questões impõe esclarecer que a identificação das mães, do ponto de vista de caracterização do seu fenótipo, ao que se sabe, não é feita, ainda, na clínica – e se esta será ou não uma vantagem?! Conceição Calhau, |