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A importância do Leite de Dadora

As recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) são claras: o aleitamento materno exclusivo deve prevalecer durante os primeiros seis meses de vida. Em bebés com baixo peso à nascença (prematuros ou não) e/ou com doença do aparelho digestivo e se a própria mãe não pode amamentar o seu filho – por produção insuficiente de leite ou por causa patológica – a OMS recomenda o uso de Leite Humano Pasteurizado. O Leite Humano Pasteurizado, usualmente designado por Leite de Dadora (LD), é, sempre que possível, a primeira alternativa na ausência de leite materno. O LD só é administrado mediante prescrição do médico – de forma exclusiva ou como suplemento – após consentimento dos pais.

São vários os estudos que mostram vantagens do LD em relação às fórmulas pré-termo. Um estudo retrospetivo publicado muito recentemente mostrou que em prematuros alimentados com LD a incidência de sépsis tardia/enterocolite necrosante (2,8%) e de displasia broncopulmonar (36%) foi significativamente mais baixa comparado com o grupo alimentado maioritariamente por fórmula (38,9% e 70,4%, respetivamente). No entanto, a evidência não é consensual, uma vez que são encontrados estudos onde o uso de fórmulas industriais promove um melhor crescimento dos prematuros. Nesses casos os bebés alimentados com LD tiveram uma taxa de crescimento inferior aos alimentados com fórmula, contudo, a diferença esbate-se após algumas semanas. Claramente a evolução ao nível das fórmulas, na sua composição, constitui um passo muito importante.

O LD é devidamente analisado quanto ao seu valor nutricional e conteúdo bacteriano antes de ser pasteurizado. A pasteurização do leite humano leva à inativação de vírus, de bactérias e de vários compostos imunológicos. Contudo, os oligossacáridos do leite materno (HMOs) são preservados desempenhando um efeito prebiótico. Esta parece ser a razão pela qual o LD promove uma composição microbiota semelhante à dos bebés alimentados com leite materno. Já as fórmulas para pré-termo estão associadas a uma redução de Bifidobacterium que, por sinal, leva, por exemplo, a um aumento da adiposidade já aos 18 meses.

Os HMOs são oligossacarídeos com uma estrutura química muito particular, a sua concentração no leite humano é superior ao teor proteico (no leite maduro poderá ser de 10 a 15 g/L, maior ainda no colostro). Apenas existem no leite humano, o que os torna uma parte importante que distingue o leite humano, do leite de vaca. Este será o desafio da indústria de fórmulas infantis para os próximos anos. Os HMOs são reconhecidos como tendo um efeito bifidogénico muito relevante, contrariando o crescimento de bactérias patogénicas.

Todas as mulheres saudáveis, não fumadoras, não consumidoras habituais de medicamentos e que foram mães há menos de 4 meses podem ser dadoras, caso tenham produção excedente de leite. O leite é retirado com uma bomba elétrica após a amamentação do próprio filho e, posteriormente, é congelado até ser recolhido por membros do Banco de Leite.

Os Bancos de Leite Humano são centros especializados na recolha, processamento e controlo do LD, garantindo a segurança do mesmo. A Europa conta já com 221 Bancos de Leite distribuídos por 20 países. Portugal conta com um único Banco de Leite Humano ativo desde 2009 na Maternidade Alfredo da Costa que é membro fundador da European Milk Bank Association.

Estas dádivas, que não são renumeradas, promovem uma melhor nutrição e desenvolvimento, permitem suprimir carências nutricionais, evitam infeções intestinais aumentando, assim, as hipóteses de sobrevivência de bebés prematuros e/ou doentes. Doar leite é um ato altruísta que deve ser promovido.

Juliana Morais,
Estudante de mestrado da NOVA Medical School e investigadora júnior do Pronutri, CINTESIS