O cross-talk entre os órgãos é crucial para o controlo de inúmeros sistemas homeostáticos (por exemplo, balanço energético, metabolismo da glicose e imunidade). Várias condições patológicas, como obesidade e diabetes tipo 2, caracterizam-se por uma perda ou uma excessiva comunicação inter-órgãos que contribui para o desenvolvimento da doença. Metabolicamente podemos afirmar que a obesidade é caracterizada por disbiose (microbiota intestinal alterada), inflamação de baixo grau e um hiperfuncionamento do sistema endocanabinóide (eCB). Recentemente, tem sido apresentada a hipótese de que as desregulações metabólicas específicas que ocorrem ao nível de vários órgãos (por exemplo, intestino, tecido adiposo, músculos, fígado e cérebro) dependem de modificações da microbiota intestinal. Desta forma, os mecanismos que ligam a permeabilidade intestinal, o metabolismo do tecido adiposo e a homeostase da glicose provavelmente envolvem interações entre a microbiota intestinal e o sistema endocanabinóide. Evidências crescentes sugerem que a disbiose intestinal contribui para o aparecimento de um estado de inflamação crónica de baixo grau e que esta associa-se à disfunção metabólica através de diferentes mecanismos, com especial destaque para a disrupção da barreira intestinal com aumento da permeabilidade intestinal e o aumento da atividade do sistema endocanabinóide. Adicionalmente, foi recentemente demonstrado que as células enteroendócrinas (produzindo GLP-1 e péptido YY) e o sistema endocanabinóide controlam a permeabilidade intestinal e a endotoxemia metabólica. Uma relação clara entre microbiota intestinal e a sinalização de eCB ainda não foi confirmada. No entanto, da evidência atual, sabe-se que a microbiota intestinal modula o tónus do sistema eCB intestinal, que por sua vez regula a permeabilidade intestinal, os níveis plasmáticos de lipopolissacarídeos (LPS) e a adipogénese. Adicionalmente, sabe-se que o LPS atua como um ator principal para controlar o metabolismo do tecido adiposo, bloqueando a adipogénese provocada pelos canabinoides. Esses dados indicam que a microbiota intestinal determina a fisiologia do tecido adiposo, na obesidade, através de vias regulatórias do sistema LPS-eCB, podendo assumir funções críticas na plasticidade do tecido adiposo. Assim, e conhecendo o papel determinante dos estilos de vida e, em particular, da dieta sobre a microbiota intestinal e desta na atividade do sistema endocanbionoide compreende-se que alterações de estilos de vida, com especial enfoque na intervenção alimentar personalizada, sejam cruciais na prevenção e tratamento da doença metabólica. Em conclusão, a intervenção alimentar na perspetiva de corrigir a disbiose intestinal, será uma estratégia terapêutica para o hiperfuncionamento do sistema endocanabinóide e, por sua vez, para a melhoria do estado metabólico. Conceição Calhau, |