Verão quente de 2017… e agora? 1088

O verão quente de 2017 ainda não terminou, mas em fase de rescaldo podemos já afirmar que o rastro de incêndios que a sua passagem deixou teve não só graves consequências ambientais e socioeconómicas, mas também humanas. Muitas são as razões que contribuíram para este desfecho, nomeadamente o desordenamento florestal e o desrespeito pela floresta, visível pelo número de incêndios com origem criminosa. Este ano até o vento que se fez soprar de forma anormal ao longo do verão contribuiu, e muito, para a dificuldade em controlar os incêndios. No entanto, não podemos esquecer que o risco crescente de incêndios em Portugal deve-se principalmente à crescente pressão do aquecimento global.

Se a quantificação dos custos imediatos e diretos dos incêndios permite estabelecer de forma relativamente simples o impacto socioeconómico, outras consequências adversas menos imediatas e evidentes sobre o ambiente e por consequência sobre a saúde das populações são de avaliação muito mais complexa, mas não de menor importância.

Nessa perspetiva, terão os profissionais de saúde responsabilidades e um papel a desempenhar? Sem dúvida! Devido ao risco crescente e à escassez de literatura e comunicação relativa aos efeitos diretos dos incêndios na saúde, é importante os profissionais de saúde, nomeadamente os nutricionistas, terem um melhor conhecimento sobre os riscos para a saúde dos incêndios florestais.

O impacto dos incêndios nas populações depende de vários fatores, nomeadamente a duração e tipo de exposição, os meios de transmissão para o meio ambiente e a suscetibilidade do indivíduo. Os efeitos para a saúde decorrentes de uma exposição aguda são os mais explorados, nomeadamente os relacionados com o fumo produzido e o excesso de calor.

Com o objetivo de mitigar estes efeitos, o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), da Direção-Geral da Saúde, tem vindo a definir algumas linhas orientadoras sobre alimentação em tempo de incêndios (ver em Recomendações gerais para a alimentação de bombeiros | Nutrimento, http://nutrimento.pt/activeapp/wp-content/uploads/2017/07/Recomendacoes-gerais-para-a-alimentacao-de-bombeiros.pdf).

Porém, não nos podemos preocupar apenas com a exposição aquando dos incêndios e menosprezar os efeitos a longo prazo da contaminação do ambiente (solo, água e subsequentemente da cadeia alimentar) e da exposição crónica das populações a outros poluentes provenientes do fumo, como metais pesados, PAH, PCBs e dioxinas. Talvez por este impacto não ser imediatamente observado e reconhecido, e muitas vezes decorrente da exposição a baixas concentrações (disruptores endócrinos), escasseia o conhecimento dos seus verdadeiros efeitos (cardiovasculares, respiratórios e carcinogénicos) nas populações afetadas.

A criação de estratégias integradas de monitorização dos contaminantes, quer de solo e águas, mas também dos alimentos de produção local e das próprias populações, permitirá uma resposta mais adequada e efetiva (desenho de estratégias de saúde pública de controlo de risco). Não se pretende com isto desincentivar o consumo de produtos locais, mas sim promover um consumo seguro e informado, até porque uma alimentação saudável e adequada pode ter um importante papel não só na prevenção da exposição, mas também na proteção em relação aos contaminantes a que estamos expostos. Sendo esta uma matéria pertinente, certamente merecerá maior desenvolvimento numa futura crónica.

Em suma, é premente e necessária a avaliação dos efeitos a longo prazo dos incêndios florestais pois, mesmo depois da cortina de fumo dissipar, os riscos para a saúde subsistem. Enquanto isso não acontece, o compromisso e envolvência de todos em conselhos simples de saúde pública poderão ajudar a mitigar o risco para a saúde.

Diana Teixeira e Diogo Pestana,
Investigadores do grupo ProNutri, CINTESIS, NOVA Medical School, Faculdade de Ciência Médicas Universidade Nova de Lisboa