O glúten é constituído principalmente pelo conjunto de proteínas insolúveis que se encontram no endosperma do grão do trigo, que se dividem em dois peptídeos: as gluteninas e as gliadinas. Ambas são prolaminas com um teor elevado em prolina e glutamina, o que as torna resistentes à digestão completa pelas protéases do trato gastrointestinal. Cereais como a cevada e o centeio também possuem proteínas cuja composição em aminoácidos é semelhante à gliadina do trigo, denominadas hordeínas e secalinas, respetivamente, e por isso é comum dizer-se que também possuem glúten. O glúten caracteriza-se pelas suas propriedades tecnológicas – elasticidade e extensibilidade – que fazem com que esteja disperso numa panóplia de alimentos. No entanto, o cultivo e consumo dos cereais que o contêm, pelo Homem, ocorre há mais de 12 000 anos. De facto, a digestão incompleta do glúten origina peptídeos de elevado peso molecular no lúmen intestinal. Estes podem interagir com recetores intestinais (TLR4), que estão envolvidos no desencadeamento de uma resposta inflamatória, diferente do processo imunológico que ocorre nos doentes celíacos. São cada vez mais as pessoas que após a sua ingestão reportam dor abdominal, inchaço e alterações na motilidade intestinal, ou até mesmo fadiga, dor de cabeça, dores articulares ou ósseas, distúrbios do humor e manifestações cutâneas, todos estes, sintomas da intolerância ao glúten não celíaca. Todavia, uma vez que não estamos sozinhos, é importante salientar a atividade proteolítica das bactérias que co-habitam connosco, cujo protagonismo não deve ser descurado dada a capacidade que têm de determinar a quantidade e qualidade dos peptídeos derivados da gliadina que interagem com as células do epitélio intestinal. Logo na boca, o glúten sofre hidrólise bacteriana e a sua ação continua durante e após a passagem pelo estômago. Mas, se o número de bactérias da cavidade oral não chega a representar 1% das presentes no colón, há que perceber qual o seu papel nesta encenação. Efetivamente o microbiota intestinal tem um papel a destacar no que se refere à digestão do glúten. As bactérias intestinais proteolíticas pertencentes aos géneros Bacteroides, Bifidobacterium e Lactobacillus hidrolisam a gliadina em peptídeos inativos e deste modo previnem os possíveis efeitos de outras formas de apresentação do peptídeo, que podem atuar sobre a permeabilidade intestinal e a inflamação. Apesar do padrão de exposição ao glúten ter aumentado, não podemos esquecer que o padrão alimentar na generalidade tem sido alvo de alterações drásticas nos últimos anos. O tipo de alimentação, no seu todo, constitui um dos principais fatores moduladores do microbiota, e a sua alteração contribui para a resposta diferente do organismo à exposição ao glúten. Uma alimentação rica em gordura está associada a uma diminuição dos Bacteroidetes e a um aumento dos Firmicutes e Proteobacteria, e desta forma potencia o aumento da permeabilidade e inflamação intestinal. Estudos em modelos animais comparam o efeito da gliadina, associado a uma alimentação rica em gordura e evidenciam que esta promove alterações marcadas no microbiota e permeabilidade intestinal, desencadeando também alterações a nível metabólico. Sugere-se assim que o glúten tem um efeito prejudicial nos indivíduos sem intolerância prévia se associado a uma alimentação rica em gordura. Neste sentido, a disbiose, ou seja, um desequilíbrio do microbiota, será possivelmente um fator determinante na sensibilidade ao glúten. Não só pela consequente diferença na atividade proteolítica das distintas espécies bacterianas, como pelo aumento da permeabilidade intestinal, facilitando a passagem dos peptídeos da gliadina para a lâmina própria desencadeando uma resposta inflamatória e/ou imunitária inata. Nos indivíduos com sensibilidade ao glúten não celíaca, a disbiose é causa de inflamação intestinal e consequente sintomatologia associada. Assim, mais relevante que retirar o glúten da alimentação, único tratamento para os doentes celíacos, será o restabelecimento do microbiota saudável nas pessoas que manifestam os sintomas de intolerância ao glúten não celíaca. Tal é conseguido através de uma alimentação saudável (rica em hortofutrícolas e fibras complexas; pobre em gordura e em açúcar), que incorpore produtos fermentados e suplementada com probióticos, como as Bifidobacterium e Lactobacillus. Inês Barreiros Mota, |