Vivemos em relação de mutualismo com uma grande diversidade de microrganismos. Considera-se que temos mais genes de origem bacteriana que humana. A descodificação do genoma humano nos anos 90 constituiu um avanço médico que trouxe alguma frustração por não trazer a compreensão e resolução da doença. Não só devido ao reconhecimento da responsabilidade dos fenómenos epigenéticos como também ao contributo do genoma dos microrganismos no nosso metabolismo e, consequentemente, na nossa saúde/doença. A evidência que surge em 2005 dá ao microbiota intestinal um papel relevante na obesidade. Primeiramente foi notícia que o microbiota no modelo de rato obeso é significativamente diferente do encontrado nos animais controlo. Em 2006, publica-se que o mesmo acontece em humanos. Mais, em 2006 acrescenta-se à publicação o sucesso de um estudo de intervenção nos indivíduos obesos, com uma dieta, durante 52 semanas, com restrição de gordura e aumento do consumo de fibras. Sucesso porque perderam peso, com concomitante observação de que no final da intervenção estes apresentavam um microbiota intestinal similar ao do grupo de indivíduos normoponderais. Desta forma, às alterações no microbiota, designadas de disbiose, passou a ser dada mais atenção do ponto de vista clínico, reconhecendo-se a sua forte associação à doença metabólica. Atualmente reconhece-se a sua importância não só na obesidade como também na diabetes tipo 2, doença cardiovascular, na doença mental, entre outras. Das estratégias de correção das disbioses constam os alimentos probióticos, os prebióticos e, mais recentemente, vem sendo discutido o interesse clínico do transplante de fezes. É plausível relacionar o microbiota do indivíduo obeso com uma capacidade maior de extrair calorias aos alimentos: fermentando os glicídeos digeríveis mas que foram incompletamente digeridos (e que por isso iriam ser excretados) e/ou fermentando as fibras (daí a atribuição de valor calórico às fibras), devido à produção de ácidos gordos de cadeia curta (acético, propiónico e butírico). No entanto, este facto parece não explicar per si a relação com a obesidade, tendo-se rapidamente chegado a outra teoria, teoria de uma “endotoxemia metabólica”. Aqui, o LPS (lipopolissacarídeo, presente na parede de bactérias Gram negativas) parece ser a peça-chave. A disbiose relacionar-se-á com um aumento dos níveis plasmáticos de LPS, de citocinas inflamatórias como o TNF-alfa e, consequentemente, com uma inflamação crónica de baixo grau. Quando o TNF-alfa se liga ao seu recetor está associado ao fenómeno de resistência à insulina, o que implica o microbiota na diabetes tipo 2. A intervenção alimentar, com mudança de hábitos alimentares, rapidamente tem impacto na qualidade do microbiota, nos níveis de LPS e, consequente, um efeito anti-inflamatório e, por isto, melhoria metabólica e até maior saciedade. Vale a pena o nutricionista olhar para este assunto com toda a atenção! Conceição Calhau, |