Os autores do primeiro Atlas de Variação em Saúde no SNS defenderam esta segunda-feira que o estudo pretende “lançar pistas” para investigação e medidas para reduzir desigualdades e não aferir a qualidade da prestação de cuidados nos diferentes distritos.
O projeto de investigação, que será apresentado na terça-feira, em Lisboa, foi coordenado pelo Laboratório Colaborativo Value for Health CoLAB em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-Nova).
Os autores demonstram a existência de variação geográfica num conjunto de indicadores relacionados com internamentos e procedimentos hospitalares entre os 18 distritos do continente, apresentando 21 mapas com doenças associadas a um elevado esforço em número de procedimentos e despesa para o Serviço Nacional de Saúde.
Em declarações à agência Lusa, a diretora da ENSP-Nova, Sónia Dias, adiantou que o aumento da doença crónica e o envelhecimento da população estão a colocar “uma enorme pressão nos sistemas de saúde de todo o mundo e o português não é exceção”, destacando a importância deste documento para “lançar pistas” para futuras investigações.
“São estudos como este que nos permitem proporcionar, na verdade, uma evidência para apoiar políticas e intervenções que permitam um cuidado mais justo e eficaz a todos os cidadãos e que, pelo contrário, não seja exatamente pela área de residência que vão ter maiores desigualdades”, defendeu.
Atlas revela que saúde dos portugueses varia consoante os distritos onde vivem
Para Sónia Dias, “será muito interessante” avançar com uma investigação que permita “compreender mais” as causas das variações encontradas entre distritos e uma investigação mais direcionada para a organização dos cuidados de saúde baseada nas diferentes necessidades e especificidades das regiões.
Para o cirurgião cardiotorácico, José Fragata, este documento reveste-se de “uma importância muito grande”, porque “marca verdadeiramente” abrir os dados oficiais sobre saúde para “ajudar os decisores de saúde a fazer diagnósticos e depois, desejavelmente, implementar medidas de correção”.
Para José Fragata, é preciso investigar os fatores que levam a que existam, por exemplo, tantas diferenças entre as regiões do país nas taxas de cesarianas, nas complicações da diabetes ou nas taxas de substituições de prótese da anca, para tomar decisões, sublinhando que o atlas visa chamar a atenção para os resultados que dependem “da boa ou má utilização de recursos”.
“Nós vemos muitas vezes agentes políticos ao mais alto nível dizerem que o Serviço Nacional de Saúde está melhor, porque se fizeram mais cirurgias, mais consultas, mas essa métrica do volume está ultrapassada. Eu não sei se fazer demais é aquilo que é preciso. Provavelmente fazer mais adequado é aquilo que será mais recomendável”, adiantou, rematando que “este mapa mostra que, independentemente de se fazer demais, como dizem, há sítios onde se está a fazer de menos”.
No seu entender, esses recursos que são gastos em excesso num lado deviam ser utilizados nas zonas mais desfavorecidas, “a bem da equidade na prestação de cuidados de saúde, que é absolutamente fundamental”.
“Eu acho que no momento em que está a haver um esforço muito sério para melhorar o Serviço Nacional de Saúde, e de uma forma absolutamente incontornável a sua evolução para um sistema nacional de saúde, olhando a saúde como um todo, eu penso que este atlas de variação geográfica de saúde vai dar em Portugal o contributo que deu nos outros países onde foi feito”, declarou.
José Fragata sublinhou ainda que o estudo é “um contributo muito sério, não tem nada de política, nem de acusação, não é um ranking de qualidade, mas é verdadeiramente uma forma de levantar perguntas e causar desassossego”.
“Levantar perguntas que nos desinquietam a todos e pensar, porque é que um primo nosso que viva no extremo Trás-os-Montes há de ter resultados em saúde para várias doenças muito diferentes de um primo nosso que viva no litoral, no Porto ou em Lisboa ou noutro sítio. Eu acho que essa informação é importante exatamente para a alocação de recursos”, um papel que cabe ao Estado.
A diretora executiva do Value for Health CoLAB, Ana Rita Londral, acrescentou, por seu turno, que estes dados vão estar disponíveis a todos os cidadãos para poderem participar na discussão dos resultados da investigação.