Aspartame – O bom, o perigoso ou o “vilão”? 2597

O aspartame, o seu uso, relevância e risco, tem estado em particular destaque e discussão nos últimos meses. As opiniões são diversas e longe de ser consensuais, muito devido aos diferentes ângulos pelos quais se olha para a questão, nomeadamente populacional, clínico ou toxicológico. Nesta discussão complexa, fica a questão: o aspartame é bom, perigoso ou “vilão”?

Porque numa avaliação de risco-benefício de determinada substância não podemos ignorar a própria molécula e potenciais interações com os mais variados processos biológicos humanos, a questão toxicológica será sempre um elemento transversal nesta discussão.

Começando pela discussão mais recente, a avaliação do aspartame como potencial agente carcinogénico, devemos primeiro distinguir os conceitos de perigo (hazard) e risco (risk). Um agente é considerado um perigo para o desenvolvimento de cancro se for capaz de causar cancro em algumas circunstâncias (identificação de perigo). Esta avaliação é realizada pela IARC (Agência Internacional para Pesquisa do Cancro) recorrendo a especialistas internacionais independentes que reúnem e revêm criticamente as evidências científicas de carcinogenicidade (em humanos, modelos de experimentação animal e/ou de mecanismos carcinogénicos), de acordo com critérios rígidos assentes na determinação da força da evidencia disponível de que determinado agente tem potencial carcinogénico. Por outro lado, o risco mede a probabilidade de ocorrência de cancro, tendo em consideração o nível de exposição ao agente. Assim, o JECFA (Comité Conjunto de Especialistas FAO/OMS sobre Aditivos Alimentares) avalia o risco da ocorrência de cancro (identificação de risco), tendo em conta, por exemplo, a avaliação da exposição alimentar ao agente e a revisão da ingestão diária aceitável.

Apesar da alimentação ser essencial na prevenção do desenvolvimento de várias patologias, pode ser também uma potencial fonte de agentes tóxicos, nomeadamente carcinogénicos. Neste contexto, e à luz dos dados científicos atuais, o aditivo alimentar aspartame foi identificado com alta prioridade para avaliação, suportado em evidências emergentes de cancro em humanos e animais de laboratório. No decorrer da avaliação conjunta da IARC e JECFA, o aspartame foi classificado como possivelmente carcinogénico para os humanos, tendo por base dados limitados de carcinogenicidade em humanos e animais, e evidências limitadas sobre como a carcinogenicidade pode ocorrer. Porém, o JECFA concluiu que os dados avaliados não apontam para a necessidade de alterar a dose diária admissível previamente estabelecida.

Mas afinal o que significa este resultado aparentemente ambíguo? Apesar deste resultado não ter contribuído para a clarificação cabal desta problemática, faz parte do normal e contínuo processo científico, do qual a avaliação do risco-benefício não é alheia. Por si só, a identificação do perigo é essencial para alertar e desencadear maior atenção para o efeito da exposição a determinado agente, até porque novos usos ou exposições imprevistas podem levar a riscos muito maiores do que os observados atualmente. Ou seja, o caminho será sempre o de gerar mais conhecimento e dados científicos robustos, nomeadamente em humanos, que possa levar a uma clarificação (que pode acontecer para ambos os lados) de determinado agente numa reavaliação, o mesmo acontecendo para a avaliação por outras agências de segurança alimentar em todo o mundo, incluindo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar.

Adicionalmente, outro ponto importante a ter em consideração é o facto de nesta avaliação estar “apenas” em causa a identificação do potencial carcinogénico. Este é apenas um dos outcomes para os quais se tem encontrado associação com o consumo de aspartame. Vários estudos têm apontado uma relação com diferentes patologias, por vezes em doses abaixo da ingestão diária máxima recomendada. Entre esses estudos estão associações com patologias metabólicas, nomeadamente obesidade e diabetes mellitus, neurodegenerativas e efeitos neurocomportamentais, assim como efeitos in utero. No entanto, deveremos ver sempre com algum cuidado a sua potencial substituição nos alimentos, uma vez que pode representar o aumento dos açucares adicionados, mas também de outros substitutos não calóricos sobre os quais não temos dados suficientes. Nesse contexto, mas de certa forma igualmente controverso, em maio deste ano a OMS emitiu uma orientação baseada numa revisão sistemática sobre adoçantes não calóricos, recomendando contra o seu uso para controlar o peso corporal ou reduzir o risco de doenças não transmissíveis.

Algumas das críticas que se levantam à volta da discussão sobre a segurança do aspartame estão relacionadas com a falta de alternativas para a abordagem clínica e o receio de criar pânico sem necessidade junto dos consumidores, não contribuindo para o seu esclarecimento. No entanto, o nosso papel como investigadores, académicos e/ou clínicos conhecedores da evidência científica atualizada, passa também por informar os cidadãos (não apenas como consumidores), permitindo a tomada de escolhas informadas.

Para demonstrar esta relevância e ilustrar a perda de janelas de oportunidade para a prevenção, podemos usar como exemplo, com a devida distância e contexto, as décadas que demorou até que fosse consensual e comprovado o efeito tóxico da exposição crónica do tabaco. Efetivamente, sendo a distância temporal entre exposição e efeito muitas vezes grande, é por vezes difícil comprovar a associação causal. Por outro lado, sabemos que as doses de ingestão diárias admissíveis podem ser alteradas de acordo com os dados científicos disponíveis, modificação que no caso da recente alteração do limite de ingestão diária tolerável do BPA (bisfenol A) levou à estimativa de que 99,9% da população portuguesa apresenta uma exposição superior, segundo um estudo recentemente publicado.

Estaremos, portanto, na posição de responder à questão inicial? A discussão está longe de ter um desfecho, sendo que o importante será sistematizar e incrementar toda a evidencia científica, para que no futuro se possam fazer novas avaliações mais abrangentes e esclarecedoras dos seus potenciais efeitos globais. Até lá, devemos considerar a aplicação do princípio da precaução, considerando populações mais vulneráveis, contextos específicos e escolhas informadas, permitindo dessa forma a redução do risco e a promoção da saúde.

Diogo Pestana

Professor de Toxicologia Alimentar da NOVA Medical School

Investigador do CINTESIS | RISE