A presença de arsénio (As) na cadeia alimentar pode ter uma origem natural ou ser derivada de atividades antropogénicas, através da contaminação da água, solo e/ou ar. Caso este esteja presente, a ingestão de alimentos e água contribui para a exposição do ser humano ao As. Este metaloide pode estar presente em diversas formas químicas (orgânicas e inorgânicas). A exposição dos consumidores a este elemento químico, tanto na sua forma inorgânica (Asi) como em algumas formas orgânicas (ácido dimetilarsénico (DMA) e ácido monometilarsenico (MMA)), representa um risco para a saúde, uma vez que se trata de um composto tóxico. Estão definidas medidas legais para prevenir a comercialização de alimentos contaminados e o consequente consumo destes pela população.
Arsénio – sua história
O As é um elemento químico que foi descoberto na Idade Média, em meados do ano 1250 (séc. XIII) por Albertus Magnus. No séc. XVI durante a dinastia Ming na China, Pen Ts’ao Kan-Mu identificou o As no seu trabalho sobre o mundo natural. Na sua obra descreveu a toxicidade associada aos compostos de arsénio e mencionou o seu uso como pesticida em campos de arroz. Nos tempos vitorianos, a solução de arseniato de potássio dissolvido em água era um tónico de cura geral usado por Charles Dickens. Surpreendentemente, até meados de 1970, este elemento manteve aplicações medicinais. Porém, o As ficou sobretudo conhecido como inseticida e como veneno utilizado para matar ratos.
Contaminante – o que é?
Trata-se de um elemento químico semimetálico, tri ou pentavalente, de cor cinzento-aço, quebradiço e com brilho metálico. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), contaminante significa uma qualquer substância que não seja adicionada intencionalmente a um género alimentício, mas nele, esteja presente como resíduo da produção, fabrico, processamento, preparação, tratamento, embalamento, transporte e armazenagem do referido alimento ou em resultado de contaminação ambiental.
A Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC) classifica o As e algumas das suas formas químicas como cancerígenos para o ser humano (Grupo 1). Existem cerca de 100 formas químicas diferentes associadas: as formas orgânicas, como por exemplo, a arsenobetaína (AsB) e o DMA, e as inorgânicas como o arsenito (As(III)) e o arseniato (As(V)). O DMA está classificado como possível carcinogénico para o Ser Humano (Grupo 2B) enquanto que a AsB e outros compostos orgânicos não metabolizados em humanos são considerados não tóxicos (Grupo 3). Por outro lado, o Asi está classificado como carcinogénico pertencente ao Grupo 1.
De acordo com a literatura, os alimentos que apresentam maior concentração de As são a água, o pescado, as algas marinhas, o arroz e os cogumelos. No entanto, esta concentração por si só não revela o grau de toxicidade associado. Através de estudos de especiação são identificadas e quantificadas as diferentes formas químicas de um elemento presentes nos géneros alimentícios. O conjunto destas formas químicas constitui a concentração total do elemento. Somente através de estudos de especiação é possível obter informação sobre a toxicidade associada ao As. Exemplos disso mesmo são o pescado e algumas espécies de cogumelos em que os níveis de As total são elevados. Contudo, a sua forma química predominante é a AsB, considerada uma forma não tóxica. Por outro lado, na água predomina o Asi, a forma mais tóxica de As. De salientar que a qualidade da água para consumo humano é assegurada através de controlos periódicos que garantem o cumprimento do limite máximo de 10 µg/L para As total, estabelecido no Decreto-Lei n.º 306/2007.
A sua importância – Fontes de exposição
O As encontra-se amplamente distribuído por toda a crosta terrestre, podendo ser libertado para a atmosfera e para a água através de fenómenos naturais, como a atividade vulcânica, dissolução e dessorção de minerais (principalmente nas águas subterrâneas) e a ação do vento. Algumas atividades humanas contribuem também para a contaminação, tais como, fundições de metais, queima de combustíveis fósseis (carvão) e tratamento da madeira com conservantes. O As é ainda usado em pirotecnia, no endurecimento de granadas e também para produzir vidro especial.
O seu impacto no organismo humano prende-se com a sua elevada toxicidade, podendo a exposição ser por inalação ou ingestão. A acumulação de As no organismo humano acontece de forma gradual, em função do nível de exposição e da complexidade dos processos biológicos associados, como a interação com enzimas e proteínas celulares que levam anos ou até décadas de contaminação antes que causem danos significativos às células e tecidos dos órgãos do corpo humano e os sintomas se tornem evidentes. Dependendo da forma química, o As tende a ligar-se às proteínas acumulando-se essencialmente nos pulmões, sistema hepático e renal. Por outro lado, a sua excreção efetua-se pela urina. Dependendo do nível, uma exposição prolongada pode levar a um envenenamento crónico, cujos efeitos incluem lesões na pele, neuropatia periférica, sintomas gastrointestinais, diabetes, doenças cardiovasculares, e cancro da pele e dos órgãos internos. Por outro lado, para níveis de exposição aguda, os sintomas de intoxicação por As incluem vómitos, dor abdominal e diarreia seguido de dormência nas extremidades e cãibras musculares, podendo, nos casos mais graves, ser fatal. Nas grávidas, tanto o Asi como o MMA e DMA podem passar para o feto através da placenta provocando diversas patologias.
A nível mundial, a exposição humana ocorre principalmente pelo consumo de água não potável com níveis elevados de Asi, ou pela utilização dessa água na irrigação de culturas ou na preparação de alimentos, bem como pelo consumo de alimentos com elevado teor de Asi, como por exemplo o arroz. Sendo Portugal o maior consumidor europeu deste cereal, com cerca de 16 kg/capita/ano, esta problemática é de grande importância. Vários estudos indicam que o arroz integral contém maior teor de As que o arroz branqueado, uma vez que a sua acumulação se faz no farelo. As formas químicas maioritariamente presentes no arroz são o DMA e o Asi, cuja ingestão deve ser controlada. Esta assume particular importância em lactentes e crianças uma vez que o arroz, pelos seus benefícios nutricionais e por ser um cereal isento de glúten, integra a alimentação infantil desde muito cedo, nomeadamente na composição das primeiras papas. O REGULAMENTO (UE) 2023/465 da Comissão Europeia estabeleceu como os limites máximos admissíveis de Asi para vários alimentos. No caso do arroz branco, este valor é de 150 µg/kg, enquanto que no caso de arroz para a produção de alimentos destinados a lactentes e crianças jovens este limite diminui para 100 μg/kg.
Por outro lado, existem estudos que mostram um aumento recente de novos alimentos na alimentação humana no mundo ocidental, tais como as algas marinhas, que apresentam uma elevada concentração de As total. Estudos de avaliação da exposição humana ao Asi, bem como, legislação a indicar os teores máximos admissíveis em novos alimentos são essenciais para garantir da segurança dos alimentos.
Cuidados e precauções
As consequências associadas à exposição crónica a espécies de As tóxicas são sentidas apenas após um longo período de tempo.
Assim, é importante tomar algumas precauções que permitam reduzir essa exposição, nomeadamente:
- Controlar a qualidade da água fora da rede pública de abastecimento, tal como a água proveniente de furos, seja para consumo ou irrigação.
- Diversificar o consumo de cereais, nomeadamente o arroz integral.
- Manter uma dieta variada reduz o risco de exposição ao As.
Sandra Gueifão
Licenciada em Engenharia das Ciências Agrárias
Laboratório de Materiais de Referência do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge