Um novo ano começa e com ele, mais do que habitualmente, a esperança num futuro melhor. Se o primeiro dia de janeiro é sempre uma folha em branco, onde pintamos sonhos e escrevemos planos para o sucesso que desejamos, este ano a vontade de começar de novo é ainda maior. Mas apesar desta ânsia generalizada de avançar, e deixar para trás 2020, não deixa de ser curioso ver tanta gente com os olhos postos no passado, e não no futuro. É interessante assistir a uma certa visão de regresso ao passado como solução para o futuro, como se o encanto bucólico-nostálgico do “antigamente é que era bom” fosse solução para os passos em frente que necessitamos dar. Sendo os nutricionistas profissionais com formação de base científica, é fundamental que saibam distinguir os factos das narrativas fantasiadas.
Um bom exemplo é o “feito em casa”. Num ano em que fomos empurrados para dentro de portas, o consumo de alimentos e refeições no lar disparou. Voltámos, quase todos, para a cozinha e prova disso é o facto de o termo “como fazer pão em casa” ter sido um dos mais googlados em 2020. A ideia de comida caseira é apelativa na sua essência – quem não imagina um fogão com ingredientes frescos a cozinhar lentamente, temperados com carinho familiar? Mas, na realidade, o que se cozinha e come em casa? As imposições do teletrabalho, as limitações no acesso à compra de alimentos e o receio de deterioração da situação económica são fatores, entre outros, que podem contribuir para que as refeições preparadas em casa não correspondam à fantasia de uma alimentação mais saudável. Outro aspeto paradoxal do “feito em casa” é a ideia de inocuidade de certos ingredientes e receitas. Um bolo feito em casa, se levar aveia, bananas maduras, mel, óleo de coco e sementes diversas (por exemplo) é visto como mais saudável que um bolo de compra com farinha, açúcar, óleo e ovos – mesmo que tenha mais açúcar e gorduras. Do mesmo modo, não é difícil encontrar refeições caseiras mais calóricas ou mais salgadas que as que se encontram disponíveis em restaurantes de fast food. É, por isso, necessário algum sentido crítico na análise àquilo que se come ou cozinha em casa.
Outro exemplo é o dos aditivos alimentares. Os movimentos clean label nascem de uma boa intenção, mas não devem ser levados ao extremo, sendo necessário reconhecer a importância e utilidade dos aditivos. Trata-se de substâncias largamente estudadas e avaliadas para uso na alimentação humana e que não merecem a diabolização crescente de que são alvo. A desejável busca por alimentos menos processados e mais saudáveis, produzidos e consumidos de forma mais sustentável, não se faz regressando ao tempo onde os aditivos não estavam disponíveis, mas sim procurando alternativas a algumas das soluções atuais. Veja-se o caso da ultrapasteurização do leite (vulgarmente designado por UHT), uma solução sem recurso a aditivos que combina esterilização e embalagem, permitindo a milhões de pessoas acesso conveniente a um alimento valioso. Ainda assim, em pleno século XXI, continuamos a ouvir mitos em torno do leite empacotado e das listas de ingredientes com a letra “E”.
Sendo, indubitavelmente, importante olhar para o passado para apreciar e aprender com o que teve de melhor, o futuro constrói-se olhando em frente. Alimentar a ideia de que regressar ao passado é a solução para o futuro, não só não resolve os problemas que temos pela frente, como atrasa o desenvolvimento de novas soluções. Num ano novo que queremos que valha por dois, é necessário reconhecer que antigamente era bom, mas que o futuro pode ser ainda melhor.
Rodrigo Abreu
Nutricionista
Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição