A alimentação vegetariana ou plant-based diet, tem vindo a ganhar uma cada vez maior popularidade a nível mundial, com um foco na Europa e, por consequência, também em Portugal.
Vários estudos têm evidenciado que as dietas à base de plantas podem contribuir de forma positiva para a prevenção de doenças não transmissíveis, como as cardiovasculares e hipertensão, obesidade e diabetes tipo 2, e alguns tipos de cancro, especialmente, quando o consumo de alimentos ultra processados é reduzido. Estas doenças são muito prevalentes no nosso país e são as que mais matam e incapacitam na atualidade.
O aumento generalizado das preocupações com a saúde tem levado ao aumento da procura de alimentos de base vegetal, por alguns grupos de população. Por isso, a indústria alimentar, o retalho e a restauração têm vindo a acompanhar esta tendência, procurando dar resposta às necessidades e preferências dos consumidores, aumentando a oferta destes produtos, incluindo os dirigidos a dietas veganas. Contudo, nesta oferta encontram-se muitas vezes produtos, que sendo de base vegetal, incluem-se na categoria dos alimentos ultra processados.
Nos últimos anos, no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), temos vindo a desenvolver projetos de investigação em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais especificamente com a WHO Regional Office for Europe, com o objetivo de melhor caracterizar nutricionalmente estes produtos amplamente disponibilizados, quer em supermercados, quer em restaurantes. Nesse sentido, divulgamos aqui as conclusões de um estudo que caracteriza nutricionalmente hambúrgueres vegetais disponíveis em restaurantes de quatro cidades europeias (Lisboa, Londres, Copenhaga e Amsterdão). Os hambúrgueres no pão para análise laboratorial, foram recolhidos tal como seriam consumidos no restaurante ou levados para casa. Estes eram constituídos unicamente por ingredientes de base vegetal, mas continham igualmente ingredientes processados industrialmente.
Entre as principais conclusões destaca-se o valor calórico mediano por porção de 619 kcal (469,2–945,8 kcal/porção; percentil 5-95). O teor em gordura total variou entre 16,4 g e 57,3 g por porção sendo que esta gordura, no que diz respeito à composição de ácidos gordos (AG) por porção média de hambúrgueres, incluía 0,2 g de ácidos gordos trans, 5,7 g de AG saturados, 13,7 g de AG monoinsaturados e 9,3 g de AG polinsaturados, contribuindo assim em média com 30% do valor recomendado diário de ingestão de AG saturados, que neste momento e segundo a OMS é de 10% numa dieta de 2000 kcal.
No que diz respeito ao teor em sal foram registados valores com uma mediana de 2,7g por porção o que contribui com cerca de 50% da ingestão máxima recomenda pela OMS de 5 g/dia, mas que em alguns casos ultrapassou 10 g por porção.
Quanto ao teor em proteína os hambúrgueres apresentavam um valor mediano de 23 g por porção. No entanto, observou-se uma qualidade proteica muito baixa, com todos os aminoácidos essenciais a estarem abaixo do valor de referência, sendo os aminoácidos sulfurados e a lisina aqueles que apresentaram os valores mais limitantes.
Já no que diz respeito à fibra alimentar foram encontrados valores bastante elevados (4,4 –18,3 g/porção; percentil 5-95), que contribuem em média com mais de 40% da porção recomendada de 25 g por dia. Estes hambúrgueres forneceram ainda valores que ultrapassam os 30% do valor recomendado de ingestão para minerais como o ferro, o fósforo, o manganês e o zinco.
Este estudo demonstra que os hambúrgueres vegetais, fornecem interessantes quantidades de proteínas, fibras alimentares e minerais essenciais, mas contêm níveis relativamente elevados e, portanto, preocupante de energia, sal e gorduras, onde as gorduras saturadas também se encontram presentes. Apesar do seu potencial como fonte de proteína, a composição de aminoácidos dos hambúrgueres vegetais indicou baixa qualidade proteica. Assim, apesar de possuírem componentes que contribuem para hábitos alimentares mais saudáveis, contêm também compostos em quantidades elevadas que podem contribuir para o aumento do risco de desenvolvimento de doenças não transmissíveis.
Com este estudo, o Departamento de Alimentação e Nutrição do INSA, enquanto Centro Colaborativo da OMS para a Nutrição e Obesidade Infantil, contribuiu para a produção de dados que ajudam a construir evidências que auxiliam tomadas de decisão informadas para melhorar a saúde da população e, ao mesmo tempo, salvaguardar a saúde do planeta.
O perfil nutricional que encontrámos nestes hambúrgueres vegetais destaca também a necessidade de a indústria e a restauração implementarem melhorias para apoiar hábitos alimentares saudáveis. Essas melhorias devem incluir a redução da energia, do sal e da qualidade e quantidade de gordura utilizada para a produção destes alimentos.
É importante incentivar a indústria a continuar o seu trabalho na reformulação alimentar, e designadamente a reduzir o teor de sal e gorduras nestes produtos alimentares. De facto, também os produtos que a indústria nos providência podem auxiliar no cumprimento das recomendações, no que respeita ao consumo de alimentos de origem vegetal. Mas, também é importante que o consumidor os saiba escolher.
O estudo completo pode ser lido em: Nutritional composition of ultra-processed plant-based foods in the out-of-home environment: a multi-country survey with plant-based burgers – PMC (nih.gov)
Carla Motta
Investigadora no Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge