Alimentação, sistema imunitário e Covid-19 4127

Uma das grandes conquistas da saúde pública foi a implementação de medidas, como o saneamento básico e o acesso a água potável que levaram a uma diminuição acentuada das doenças infeciosas e, com isso, a um aumento da esperança média de vida. No entanto, os países desenvolvidos atingem agora um ponto de inflexão em que o estilo de vida ocidental associado ao consumo de alimentos ultra-processados e de elevada densidade energética e ao sedentarismo, pode encurtar a esperança média de vida das próximas gerações.

A dieta Ocidental rica em açúcares refinados, sal, gordura animal, carnes processadas e aditivos alimentares e pobre em fibra, vitaminas, minerais e polifenóis tem como consequência o rápido aumento de peso que é fator de risco para às doenças crónicas (não) transmissíveis como a obesidade, a diabetes tipo 2 e as doenças cardiovasculares. Na base destas doenças está uma ativação desacertada do sistema imunitário que se traduz numa resposta inflamatória crónica de baixo grau e numa consequente perturbação da homeostasia imuno-metabólica.

Curiosamente, a Covid-19 representa uma maior ameaça para aqueles que têm um sistema imunitário comprometido e doenças crónicas associadas como a diabetes e doença cardiovascular.

A ativação direta ou indireta do sistema imunitário pela dieta Ocidental pode ser explicada por diversos ingredientes ou nutrientes que desencadeiam uma resposta inflamatória.

A dieta Ocidental modifica a composição da microbiota intestinal, aumenta a permeabilidade intestinal e o efluxo de endotoxinas (LPS) para a circulação induzindo um estado de endotoxemia metabólica que por sua vez, desencadeia a ativação dos recetores TLR4. Em paralelo, os ácidos gordos saturados de cadeia longa amplificam este efeito ativando também as vias inflamatórias.

A L-carnitina e a fosfatidilcolina provenientes da carne, ovos e lacticínios são convertidas em óxido de trimetilamina (TMAO), um produto metabólico promotor de aterosclerose e trombose, através de um processo dependente da microbiota intestinal que inclui a fermentação microbiana destes compostos e a oxidação enzimática da trimetilamina. O TMAO promove a formação de macrófagos “espuma” e o desenvolvimento da aterosclerose e estabelece, assim, uma relação entre o consumo de produtos de origem animal e o aumento do risco de doença cardiovascular.

Por outro lado, a dieta Mediterrânica que tem por base o consumo de alimentos de origem vegetal como hortícolas, frutas, cereais pouco refinados, leguminosas e oleaginosas, o consumo de peixe e o uso de azeite como principal fonte de gordura está associada a uma diminuição do risco cardiovascular e correlaciona-se negativamente com marcadores séricos de inflamação.

Os ácidos gordos insaturados, os polifenóis e a fibra podem contribuir para os efeitos protetores desta dieta. O EPA e o DHA são substratos para a síntese de resolvinas e maresinas, moléculas que desempenham um papel chave na resolução do processo inflamatório. Já a fibra, em particular a inulina, é fermentada pela microbiota intestinal, dando origem aos ácidos gordos de cadeia curta, em particular, ao butirato que é responsável por controlar a transcrição de genes inflamatórios.

Estes exemplos ilustram como é que a dieta pode direta ou indiretamente (via microbiota intestinal) fornecer compostos biologicamente ativos com efeitos locais e sistémicos na função imunológica, apesar desta ser uma área de investigação ainda em crescimento.

É certo que não existe nenhum alimento ou nutriente que possa prevenir ou tratar a COVID-19. No entanto, devemos privilegiar agora e sempre uma alimentação mais próxima daquilo que são os princípios da dieta Mediterrânica, ao invés da dieta Ocidental, para a manutenção do equilíbrio da microbiota intestinal, garantindo, assim, um ótimo funcionamento do sistema imunitário e uma menor suscetibilidade a infeções.

Para além da dieta, um estilo de vida saudável abrange também a prática de exercício físico, a gestão do stresse e bons hábitos de sono. Dadas as circunstâncias, podemos tirar partido do isolamento social e aproveitar o tempo extra para colocar todos estes princípios em prática.

Cláudia Marques
Nutricionista (0268N)
Professora Auxiliar Convidada, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, UNL
Investigadora do grupo ProNutri, CINTESIS