Alimentação, saúde mental e microbiota: uma relação a três 4875

Outubro brinda-nos com a comemoração de duas datas relevantes da área da saúde: o Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro) e o Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro). Sabendo que os problemas da saúde mental, particularmente a depressão, são uma das principais causas de incapacidade e que os hábitos alimentares inadequados contribuem para uma redução de 15,4% dos anos de vida saudável dos portugueses, talvez nunca tenha feito tanto sentido abordar estas temáticas em conjunto, sobretudo agora que a pandemia veio fragilizar ainda mais esta realidade.

A evidência científica que relaciona a alimentação e as doenças não-comunicáveis, como obesidade, hipertensão, dislipidemia e diabetes, é robusta. Porém, a relação entre alimentação e saúde mental começa agora a ganhar consistência com a crescente realização de ensaios clínicos randomizados e, subsequentes, revisões sistemáticas e meta-análises.

A importância da alimentação, nomeadamente de nutrientes específicos (ómega-3), no combate à inflamação crónica de baixo grau, que funciona como condicionante da saúde mental, foi já aqui descrita. Recentemente, o microbiota intestinal – conjunto de microrganismos que habitam o intestino – tem sido estudado como intermediário na relação entre a alimentação e a saúde mental. Esta relação começou a ser evidente quando, em 2016, o microbiota intestinal de indivíduos com depressão foi transferido para ratinhos que, ao contrário daqueles que receberam o microbiota de indivíduos saudáveis (sem diagnóstico de depressão), mostraram aspetos comportamentais e fisiológicos característicos desta patologia.

O microbiota intestinal produz neurotransmissores que são mensageiros que permitem a comunicação entre neurónios. São exemplos de neurotransmissores o ácido gama-aminobutírico (GABA), dopamina, noradrenalina, acetilcolina e serotonina. A serotonina – conhecida como hormona da felicidade – é produzida sobretudo (90%) pelas células enterocromafins do intestino. Por sua vez, a serotonina é necessária para produzir melatonina, uma importante hormona que promove o sono – fator de extrema importância na manutenção da saúde mental. Contudo, um desequilíbrio do microbiota intestinal (disbiose) pode fazer com que a síntese destas moléculas neuromodeladoras seja desajustada, comprometendo a saúde mental.

Dos vários fatores que parecem influenciar a composição do microbiota intestinal, a alimentação é, sem dúvida, um dos mais determinantes. O que comemos determina o tipo de bactérias presentes no nosso intestino e, consequentemente, o tipo de metabolitos produzidos. Uma alimentação rica em gordura saturada, açúcares refinados, sal e carne vermelha, leva à endotoxemia metabólica, neuroinflamação e, assim, à maior vulnerabilidade para a doença mental. Contrariamente, a Dieta Mediterrânica associa-se a um risco reduzido de depressão. Sabe-se que os ácidos gordos ómega-3, característicos deste padrão alimentar, promovem o crescimento de Bifidobacterias e previnem estados depressivos induzidos por citocinas inflamatórias. Um ensaio clínico randomizado controlado estudou o efeito da adesão à Dieta Mediterrânica por parte de um grupo de indivíduos com depressão moderada a severa durante 12 semanas. Em comparação com o grupo controlo, o grupo de intervenção mostrou melhorias significativas nos scores de depressão, com alguns indivíduos a alcançar o estado de remissão da doença. Contudo, não podemos deixar de notar que, adjacente à intervenção alimentar, o grupo de intervenção recebeu um acompanhamento muito próximo onde foram aplicadas técnicas motivacionais.

Se estes dados mostram que a alimentação tem um impacto na saúde mental, também se sabe que o inverso acontece. Estados de depressão e de ansiedade influenciam os hábitos alimentares, quer pela ausência de apetite (défice energético), quer por momentos de compulsão alimentar (ingestão energética excessiva). O desejo por alimentos reconfortantes relaciona-se com os níveis de serotonina (hormona produzida no intestino). A ingestão destes alimentos, caracterizados pelas elevadas quantidades de açúcar, vai satisfazer momentaneamente o desejo pelo pico de glicemia que provocam. Contudo, a hipoglicemia que lhe sucede, leva a mais desejo, uma vez que desencadeia a libertação de cortisol, adrenalina, hormona de crescimento e glicagina – hormonas relacionadas com estados de ansiedade, irritabilidade e fome. Inerentes a estas condições, observamos também um maior risco para a resistência à insulina e obesidade. Verificamos, então, que se trata de um ciclo vicioso que inclui a alimentação, o microbiota, a saúde mental e, inevitavelmente, a saúde física (figura 1).

Figura 1. Relação alimentação – saúde mental – microbiota intestinal. Os hábitos alimentares são determinantes para a composição do microbiota intestinal. Uma dieta rica em gordura, açúcar, sal e carnes vermelhas leva a disbiose (desequilíbrio) deste ecossistema. Por sua vez, as bactérias que habitam o intestino produzem metabolitos que provocam inflamação e uma resposta neuroendócrina que incita a perturbações do foro neurológico. Problemas da saúde mental, como a depressão e ansiedade, interferem na ingestão alimentar: quer pela falta de apetite, quer pelo desejo de alimentos reconfortantes (compulsão alimentar). No seu conjunto, estes desajustes vão promover a resistência à insulina, hipertensão e obesidade. GABA – ácido gama-aminobutírico; LPS – Lipopolissacarídeo; TLR-4 – Toll Like Receptor 4. Imagem adaptada de Sandhu et al., 2017 (10.1016/j.trsl.2016.10.002) e Firth et al., 2020 (10.1136/bmj.m2440).

O comprometimento da saúde mental pode ter muitas e variadas causas que podem persistir independentemente do padrão alimentar adotado. Assim, conciliar a ajuda de um profissional da saúde mental, a uma alimentação rica em hortofrutícolas, gordura polinsaturada tipo ómega-3 e fibra, será sempre mais promissor e seguramente mais efetivo.

 

Juliana Morais
Nutricionista 3719N
Investigadora, Nutrição e Estilos de Vida, Faculdade Ciências Médicas | Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa
Comprehensive Health Research Centre, Universidade NOVA de Lisboa