Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas (ON), deu uma entrevista ao “Observador Online”, que o portal da Ordem divulgou, onde “critica a falta de vontade política para legislar e contratar mais profissionais”, assim como alerta para a dificuldade das famílias em aceder a alimentos saudáveis e equilibrados, devido à menor capacidade económica, e para o risco de desnutrição dos mais novos.
Quando questionada sobre o papel da nutrição na “doença e na cura” nesta pandemia por covid-19 em que vivemos, a Bastonária da ON reforça o papel da alimentação para termos a melhor saúde possível.
“Devemos pensar na nutrição para preparar e não para reparar, apesar de também o fazer. Em contexto de pandemia, a alimentação é ainda mais importante para nos dar a robustez necessária e gozarmos de um bom estado nutricional para termos a melhor saúde possível e lutarmos contra as adversidades, seja esta doença ou outras. Os grupos de risco para a covid-19 são pessoas que, de maneira direta ou indireta, têm maus hábitos alimentares. É o caso de pessoas com obesidade, diabetes ou hipertensão, pois os idosos por si já podem ter doenças mais ou menos crónicas ou relacionadas com a alimentação. Isto leva-me a concluir que se tivermos bons hábitos, estaremos melhor preparados para ela”, indica.
E essa alimentação é ainda mais importante nas crianças.
“O risco de desnutrição nos mais novos pode causar mais vítimas do que a própria doença, uma vez que eles não são considerados um grupo de risco. Com a pandemia, a taxa de pobreza nas famílias e a insegurança alimentar aumentaram e existiram cortes nos serviços de saúde, que agora exigimos que retomem”, disse Alexandra Bento.
E, tendo em conta o período de pandemia, a dificuldade de acesso a uma alimentação equilibrada não ajudou.
“A Direção-Geral da Saúde (DGS) fez um estudo relativo à insegurança alimentar onde foi revelado que o acesso a uma alimentação saudável piorou durante o período em que estivemos em isolamento social. Se já tínhamos cerca de 10% das famílias a dizerem que tinham dificuldades de acesso a uma alimentação saudável e segura, nesta altura isso ainda piorou. Não é algo que nos espante, pois as condições económicas influenciam este tipo de escolhas. O estudo é apenas sobre os adultos, mas podemos inferir que as crianças deverão sofrer disso também e no caso delas a escola é um bom palco para a ação. Outro palco fundamental são os cuidados de saúde primários, temos que retomar o funcionamento deste serviço, é muito importante fazer a vigilância daqueles que são grupos de risco”, explicou a Bastonária.
Alexandra Bento falou ainda das medidas instauradas durante a pandemia, sublinhando o papel importante que a ON teve em algumas tomadas de decisão da DGS.
“A Ordem, em conjunto com outras, reuniu-se semanalmente, inicialmente com a ministra da Saúde e depois com secretário de Estado da Saúde. Encontros onde íamos motorizando a situação, dando as nossas sugestões daquilo que poderia e deveria ser feito”.
Exemplo disso foi “como deveriam ser organizados o fornecimento de refeições hospitalares. A alimentação dos doentes nos hospitais só existiu porque houve nutricionistas que desde a primeira hora reorganizaram todo o serviço. Medidas como esta são negociadas com o ministério de Saúde e articuladas com a mensagem passada pela DGS. Estivemos também muito atentos a todo o circuito de distribuição de alimentos. Nos primeiros dias, com a corrida aos supermercados, onde muitas pessoas levaram mais do que o necessário, a Ordem demonstrou a sua voz ativa na comunicação social, tranquilizando e garantindo que tudo estava assegurado. Noutras alturas, propomos várias medidas que vão de encontrar aquilo que é a situação alimentar do país”.
Alexandra Bento falou ainda de outras medidas com impacto, em que a ON esteve envolvida. Uma delas foi a taxação do açúcar.
“Sim, tiveram consequências reais e estudos que provaram isso mesmo. Durante o primeiro ano de aplicação do imposto especial de consumo sobre as bebidas adicionadas de açúcar e outros edulcorantes, 2017, verificou-se uma redução de 11% no teor calórico médio destes produtos e uma diminuição de mais de seis toneladas de açúcar ingerido pelos portugueses, só por via do consumo destas bebidas, face ao ano anterior. A ação política tem que ser sempre baseada na melhor evidência científica e, de facto, as pessoas passaram a consumir menos açúcar. A medida foi avaliada e alterada, existindo atualmente vários pontos de corte, levando a própria indústria alimentar a reformular os seus produtos. Claro que a medida ainda não parou, tem que continuar a ser avaliada e alterada, caso seja necessário”, explicou a Bastonária.
Contudo, não aconteceu o mesmo no caso da taxação do sal.
“No caso do sal os senhores deputados da Assembleia da República não perceberam a importância da medida, chumbaram-na em 2017 porque, das duas uma, ou não estudaram devidamente o dossier ou não têm literacia suficiente para poder estudar o assunto. O dossier estava feito e bem feito, com uma base sólida, produzido por entidades que estudaram, investigaram e propuseram uma medida política. Ainda admitia que os deputados quisessem alterar ou adaptar, agora chumbarem porque sim e não perceberem que se perdeu uma oportunidade… No nosso país, quase 40% da população é hipertensa e está em risco para a maior causa de mortalidade que é a doença cardiovascular. É isto que os senhores deputados não perceberam, que a causa maior da hipertensão arterial é claramente sal. Espero que o ministério da Saúde dê folgo às medidas na área da alimentação e nutrição, pois neste momento tudo o que é política nesta área está hibernada por causa da pandemia. Percebemos isso, mas atualmente já não há justificação. É preciso avaliar o impacto que esta pandemia teve nos hábitos e nos comportamentos alimentares dos portugueses”, explicou Alexandra Bento.
Outra das medidas faladas nesta entrevista, é uma das bandeiras desta bastonária: a contratação de mais nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Mantemos o mesmo número, com pequenas oscilações que em termos percentuais não fazem grande diferença. Em 2018, conseguimos que o Ministério da Saúde abrisse 40 vagas para os cuidados de saúde primários, mas o concurso continua até hoje. Porque durante anos e anos não foi aberto nenhum. É evidente que o número de candidatos é imenso e o júri, composto por três pessoas, tem de fazer entrevistas a mais de mil pessoas, o que torna o processo longo e demorado”, explicou.
Para além disso, as 40 vagas não são suficientes. E Alexandra Bento explica porque.
“Nos cuidados de saúde primários, um nutricionista tem a seu cargo 86 mil utentes, a Ordem defende que, no mínimo, esse rácio deveria ser um nutricionista por cada 12 mil utentes. Nos cuidados de saúde hospitalares, um profissional é responsável 97 camas, o ideal seria um nutricionista por cada 50 a 75 camas, consoante a tipologia do hospital. Atualmente há cerca de 100 nutricionistas nos cuidados de saúde primários e 300 nos cuidados de saúde hospitalares, o que é manifestamente insuficiente”.
E acrescenta que “não é, com certeza, por falta de nutricionistas para aqueles lugares. É sobretudo por falta de vontade política, alguma inércia e alguma dificuldade na legislação atual. Quando um governante nos diz que os nutricionistas são importantes e têm que aumentar, mas depois estas afirmações não têm consequências, duvidamos de algum rigor naquilo que é dito. Quando se abre um concurso em 2018 com 40 vagas em que todos os admitidos têm que ser entrevistados, é preciso mudar a legislação para que os concursos sejam mais ágeis. Há também uma inércia entre aquilo que é a vontade política e aquilo que é a ação para a contratação de mais profissionais. A necessidade está identificada, lido com estas questões desde 1998 e já vai longe o tempo em que tínhamos que justificar a necessidade de existirem nutricionistas e a importância da nutrição para a saúde. Esse trabalho está feito. Hoje podemos dizer que a alimentação está na agenda das necessidades, temos é que acelerar os procedimentos, não só para bem os nutricionistas, mas para um interesse nacional”.
Mais nutricionistas nas escolas, é outra luta da ON.
“Ao longo dos últimos anos temos feito conjunto de trabalhos, quer de pesquisa, quer de trabalho científico e publicações, daquilo que achamos que deve ser a estratégia para a alimentação escolar. Temos vindo a apresentá-la a quem pode operacionalizá-la, não só na Assembleia da República, mas também no Governo. Resultados? O Orçamento do Estado para este ano prevê a contratação de 15 nutricionistas nas escolas. É caso para dizer “água mole em pedra dura tanto bate até que fura. É um número aceitável, mas insuficiente. Sete meses depois, entendo que não é o surgimento desta pandemia que pode impedir a contratação destes 15 nutricionistas, antes pelo contrário, tal ainda demonstra ainda mais necessidade”, explica Alexandra Bento.
E os nutricionistas são sem dúvida nenhuma necessários, pois os hábitos alimentares dos portugueses não são dos melhores.
“O que os dados nos dizem, é que há claramente um excesso de consumo de sal, açúcar e gordura na população portuguesa, por outro lado, há insuficiência de hortofrutícolas e leguminosas. Podemos dizer que os grandes vilões no nosso prato são o sal, o açúcar e a gordura, depois temos um grande erro que é a insuficiência de produtos de origem vegetal, como frutas, legumes e leguminosas, a par de um consumo superior àquilo que são as indicações das autoridades de saúde de carnes vermelhas. Não é que tenhamos um consumo excessivo das carnes no seu todo, mas temos um consumo excessivo de carne vermelha”, indica a Bastonária.
Caso queira ler a entrevista na totalidade, com estes e mais temas, consulte o site da ON.