
Por Sandra Copeto e Susana Jesus, do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
Os alimentos que consumimos diariamente passam por processos de confeção que podem resultar em compostos químicos indesejáveis denominados por contaminantes de processamento. Entre estes destaca-se um composto que tem despertado grande atenção nos últimos anos, a acrilamida (AA).
A formação de AA nos alimentos ocorre como resultado da Reação de Maillard, que é uma reação química entre um aminoácido, a asparagina, e um açúcar, que poderá ser a glicose ou a frutose. Por este motivo a asparagina, a glicose e a frutose são chamados de percursores da AA. A reação inicia-se na presença de calor, desencadeando uma cascata de reações químicas responsáveis pelas características sensoriais dos alimentos, como a cor, o sabor e o aroma. Ao mesmo tempo, esta reação, leva à formação de compostos potencialmente prejudicais para a saúde humana, como a AA.
Assim, a composição dos alimentos é um dos fatores que influencia a formação deste contaminante, uma vez que a presença dos percursores é essencial. No entanto, outros fatores desempenham um papel importante, como as condições de armazenamento e os fatores ambientais. Por exemplo, nas batatas as variações sazonais e as condições de armazenamento podem afetar os níveis de açúcar, influenciando desta forma a formação da AA. Já nos cereais, fatores como o clima, a variedade das culturas, a presença de enxofre no solo e a fertilização afetam o teor de asparagina impactando a concentração da AA nos alimentos processados.
A AA pode estar presente numa grande variedade de alimentos, tais como produtos de panificação (pão, bolachas, tostas, bolos), produtos à base de batatas (batatas fritas, assadas e chips), cereais de pequeno-almoço, alimentos para lactentes e café.
De acordo com o a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), os produtos de batata frita, o café e os sucedâneos de café são a principal fonte de exposição a AA na alimentação dos adultos, seguidos do pão e das bolachas. No caso das crianças, a maior exposição a este contaminante provém, sobretudo, dos produtos de batata frita e dos cereais. Já para os bebés, o cenário é diferente, sendo as bolachas e as tostas os principais alimentos que contribuem para a ingestão de AA.
Após a ingestão, a AA entra nas células intestinais por difusão passiva e é distribuída pelos órgãos sistémicos pela corrente sanguínea. Sabe-se ainda que a AA atravessa as barreiras hematoencefálicas e hematoplancentária. Em 1994, este contaminante foi classificado pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC) como “uma substância carcinogénea para animais e, provavelmente, para humanos (grupo 2 A)”. Anos mais tarde, em 2015, a EFSA reportou que a AA pode induzir efeitos neurotóxicos adversos em humanos.
Devido aos efeitos potencialmente cancerígenos, a União Europeia publicou, em 2017, o Regulamento (EU) 2017/2158 no qual estabelece valores de referência para este contaminante de processamento num conjunto de alimentos mais suscetíveis à formação de AA (batata frita, café e sucedâneos, pão, bolos, bolachas e alimentos para lactentes). Adicionalmente, este regulamento visa ainda estabelecer, junto da indústria alimentar, a implementação de medidas de mitigação dos níveis de AA nos produtos disponíveis no mercado.
Posteriormente, em 2019, a Comissão Europeia emitiu a Recomendação (EU) 2019/1888 reforçando a necessidade de monitorizar a presença deste contaminante em determinados géneros alimentícios. A lista de alimentos sujeitos a monitorização inclui produtos à base de batata, produtos de panificação, produtos à base de cereais e outros nos quais se incluem sucedâneos do café, azeitonas em salmoura, frutos secos, entre outros.
Tendo em conta o Regulamento (EU) 2017/2158 e a Recomendação (EU) 2019/1888, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) desenvolveu um método analítico específico para detetar e quantificar a AA em cereais e derivados. Este método foi validado e está atualmente acreditado para a análise de AA em cereais e derivados, prevendo-se a inclusão de outros alimentos no processo de acreditação.
Embora seja impossível eliminar totalmente a presença de AA dos alimentos, algumas medidas simples podem ajudar o consumidor a reduzir a ingestão deste contaminante, tais como:
- Seguir as instruções de confeção indicadas na embalagem do produto;
- Evitar fritar ou assar alimentos a temperaturas muito elevadas e por longos períodos;
- Optar por métodos de confeção como cozer ou cozinhar a vapor sempre que possível;
- Torrar o pão até obter uma cor dourada, em vez de castanha;
- Cozinhar produtos à base de batata, como batatas fritas, e salgados, como croquetes ou rissóis, até adquirirem uma cor dourada, evitando que fiquem demasiado escuros;
- Não conservar as batatas no frigorífico. Guardar as batatas num local fresco e escuro.
- Demolhar as batatas fritas antes da fritura, deixando-as em água durante 15 a 30 minutos.
A implementação destas estratégias, aliada à regulamentação e monitorização contínua do teor de AA nos alimentos, contribui para a redução da exposição a este contaminante, promovendo uma alimentação mais segura e equilibrada.
A consciencialização sobre o impacto da AA na saúde e a adoção de boas práticas na confeção dos alimentos são passos fundamentais para uma alimentação mais segura e equilibrada. Para os profissionais de nutrição, a informação sobre este composto é essencial para orientar melhor os consumidores e promover hábitos alimentares mais saudáveis.