Depois do processo de aprovação do Kaftrio para maiores de 12 anos ter sido concluído pelo Infarmed, 337 dias após a aprovação pelo regulador Europeu (EMA), e de ter sido também concluído, na mesma data, o processo de aprovação do Orkambi, um medicamento destinado a crianças entre os 2 e os 11 anos, neste caso 903 dias após aprovação pela EMA, estes medicamentos continuam a não estar disponíveis para os doentes. Falta agora a assinatura do Secretário de Estado da Saúde para a conclusão de um processo burocrático que tem, alertam a Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ) e a Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ), mantido os doentes reféns.
Até esta data, a esmagadora maioria dos doentes com Fibrose Quística (FQ) com idades entre os 2 e os 11 anos não tinham disponível nenhum medicamento inovador. Só os doentes com mais de 12 anos, e que se encontrassem numa situação clínica muito grave, poderiam aceder ao Kaftrio, através de uma autorização de utilização especial (AUE), colocando os pacientes portugueses numa situação particularmente desvantajosa, uma vez que Portugal é um dos últimos países da União Europeia a ter acesso generalizado às terapias inovadoras.
“Depois do parecer positivo do INFARMED, tanto os doentes como as suas famílias aguardam com grande expectativa a conclusão formal deste processo”, refere Paulo Sousa Martins, presidente da ANFQ. “Urge que os nossos governantes, nomeadamente o Secretário de Estado da Saúde, acelerem a respetiva aprovação, sob pena de deixar alguns doentes numa situação mais complicada, como já tem vindo a acontecer”, acrescenta.
“Lamentavelmente, a conclusão do processo de avaliação feita pelo INFARMED peca por tardia, a ponto do regulador europeu (EMA) já ter aprovado o alargamento das mutações elegíveis, o que prova que continuamos na cauda da Europa e a comprometer a qualidade de vida dos nossos pacientes”, afirma Herculano Rocha, presidente da Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ).
“Mas, ao mesmo tempo, mantemos alguma ansiedade, porque não podemos continuar a ser reféns de um processo caracterizado por uma imensa burocracia, em que se repetem avaliações já efetuadas, consumindo recursos económicos e humanos, e atrasando o tratamento. Ansiedade que cresce ainda mais, uma vez que nos encontramos perto do período de férias e, nos últimos processos, o SES demorou cerca de três meses a assinar a comparticipação”.
O tempo é determinante na FQ e uma ação atempada pode mesmo atrasar ou evitar transplantes, impedir a deterioração clínica de muitas crianças, adolescentes e adultos e, até mesmo, evitar a morte. Porque todo o tempo de espera é sinónimo de perda progressiva e irreversível da capacidade respiratória.
O Kaftrio faz parte dos moduladores da CFTR, classe de fármacos dirigido à causa da doença e que mudou o paradigma do tratamento da mesma, permitindo que se passasse de medicamentos que apenas controlavam e minimizavam os sintomas, para a correção parcial do defeito e atraso do aparecimento desses sintomas. Um avanço que pode evitar a evolução da FQ, contribuindo de forma importante para uma melhor qualidade de vida. E, não sendo ainda a cura, permite controlar uma parte importante dos efeitos da doença.
A FQ afeta mais de 90.000 pessoas em todo o mundo, aproximadamente 50.000 na Europa e cerca de 400 em Portugal. É uma doença hereditária rara causada por mutações nas duas cópias (herdadas uma do pai e outra da mãe) de um único gene que codifica a proteína CFTR. A proteína CFTR funciona como canal transportador de iões cloreto e bicarbonato nas células que revestem as nossas mucosas. A FQ tipicamente manifesta-se logo à nascença, afetando todos os órgãos que expressam a proteína CFTR, nomeadamente os sistemas respiratório e digestivo. Há 50 anos, levava à morte na primeira década de vida.