A tríade ambiente, alimentação e saúde: o caso do plástico 1956

Após nova Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26 em Glasgow, um encontro que se queria um “ponto de viragem para a humanidade”, é premente refletirmos sobre a interligação entre ambiente, nutrição e saúde humana. Sob o enquadramento da Nutrição Ambiental, estaremos mais perto de compreender a ligação entre a saúde dos indivíduos, comunidades, meio ambiente e do próprio planeta, e dessa forma atuar convenientemente.

Se por um lado temos assistido a um esforço crescente na procura da sustentabilidade do nosso sistema alimentar, sabemos também que ainda estamos longe de fazer face aos crescentes impactos indiretos das alterações climáticas na saúde humana. Efetivamente, as mudanças ambientais desencadeadas pelo homem e a subsequente exposição a certos patógenos, toxinas ou contaminantes e resíduos químicos através dos alimentos têm sido associadas a diversos efeitos adversos na saúde. Importa, portanto, não só olhar para o futuro, mas também para os impactos e consequências que já vivemos. Nesse sentido, a UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) lançou recentemente um novo relatório debruçado sobre a problemática do plástico, intitulado “Da poluição à solução: uma avaliação global do lixo marinho e poluição por plástico”. Enfatizando que os plásticos são também um problema climático, o relatório destaca consequências graves para a saúde, economia, biodiversidade e clima, sem esquecer as soluções para reverter a crise crescente.

Dois dos principais riscos para a saúde e bem-estar humanos associados aos plásticos são a exposição a micro e nanoplásticos e a produtos químicos associados aos plásticos. Os microplásticos (MPs), definidos como partículas de plástico menores que 5 mm, são um conhecido contaminante ubíquo com impactos prejudiciais, que pode ser encontrado nos alimentos que comemos e no ar que respiramos, demonstrando o quão difundida é esta poluição moderna. Apesar da inalação ser a principal via de exposição (~121 000 partículas/ano/adulto), a ingestão, nomeadamente através da água, alimentos do mar, sal e alimentos em contacto com embalagens, é também uma importante via de exposição com ~52 000 partículas/ano/adulto. Uma vez que os humanos estão no topo da cadeia trófica, o potencial de consumir MPs como contaminantes é muito elevado. A absorção de MPs é influenciada pela sua composição química e tamanho, variando de acordo com a forma, tamanho e densidade dos MPs. A evidencia clínica crescente tem demonstrado que podem ser acumulados em diferentes órgãos, incluindo a placenta, o que em última análise levou à descoberta dos mesmos em fezes de crianças, nomeadamente no mecónio, representativo de exposição in utero. Por outro lado, apesar de muito relevantes e potencialmente mais perigosos, ainda pouco se sabe sobre o impacto da exposição a nanoplásticos, muito devido á complexidade técnica da sua análise.

Adicionalmente, os MPs podem conter dois tipos de co-contaminantes químicos prejudiciais, que incluem aditivos dos plásticos, como ftalatos e bisfenol A, bem como retardadores de chama (usados em produtos domésticos e embalagens de alimentos), mas também produtos químicos absorvidos do ambiente circundante (metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, PAHs, PCBs, etc). Uma vez que muitos destes químicos têm efeitos de alteração/desregulação endócrina, existe evidência substancial da sua associação com sérios impactos na saúde, nomeadamente com o desenvolvimento de doenças endócrinas, particularmente na disfunção metabólica, e cancro. Como exemplo deste impacto, um estudo recente estimou que a exposição diária a produtos químicos usados na fabricação de recipientes de plástico para alimentos e cosméticos, os ftalatos, está ligada a cerca de 100 000 mortes prematuras/ano associadas a todas as causas e mortalidade cardiovascular em adultos americanos entre os 55 e os 64 anos.

A ubiquidade desta e de outras ameaças semelhantes reforça a necessidade de não só apostar na sustentabilidade do nosso planeta, sociedade e sistema alimentar, mas também na resposta às consequências que já sentimos na saúde das nossas populações. O desafio será de responder a esta problemática unindo as áreas do ambiente, nutrição e saúde humana, com o objetivo de reduzir a nossa exposição, mas também de encontrar formas de a mitigar.

Diogo Pestana
Professor de Toxicologia Alimentar, NOVA Medical School
Investigador do grupo ProNutri, CINTESIS | RISE