A nutrição dá votos (II)? 1660

Em outubro de 2019, aquando das últimas eleições legislativas, tive oportunidade de fazer uma breve análise à importância que os temas da nutrição e alimentação poderiam ter na hora de votar – perguntava na altura se a nutrição dava votos. Entre a pandemia de COVID-19, que ocupou quase totalmente a agenda da Saúde, e uma Assembleia que foi dissolvida ao fim de dois anos, não ficou claro como avaliar as propostas de cada partido para os temas da nutrição. Resta-nos por isso perguntar novamente – a nutrição dá votos?

À semelhança do que aconteceu nas eleições anteriores, uma análise interessante ao conteúdos dos programas eleitorais dos diferentes partidos com representação parlamentar revela, sobretudo, dois aspetos importantes. Primeiro, a pandemia trouxe a saúde para o centro das preocupações dos portugueses, não só na habitual perspetiva de tratamento das doenças, mas, de forma crescente, na sua prevenção. Adicionalmente, nesta lógica de prevenção da doença e promoção da saúde, a importância da alimentação e nutrição começa a ganhar algum reconhecimento. Mas se foi visível em vários programas eleitorais a referência à necessidade de políticas e ações específicas no que respeita à promoção da alimentação saudável, fica por saber qual o seu impacto na decisão de voto. Ainda para mais, no contexto particular em que estas eleições se disputaram, onde a agenda político-partidária pareceu sobrepor-se muitas vezes aos conteúdos programáticos de cada partido.

Agora que os votos estão contados e teremos um Governo suportado por uma maioria absoluta na Assembleia, o que podemos esperar na área da nutrição? Com a possibilidade de o Governo aprovar “sozinho” o Orçamento de Estado, haverá finalmente verbas alocadas para as prometidas medidas de promoção da alimentação saudável e reforço da nutrição nos cuidados de saúde primários? Ou virá alguma “crise” (a inflação está à espreita e os impactos da pandemia no emprego e economia ainda são incertos), que adiará novamente a necessária contratação de nutricionistas ou o financiamento de programas de educação alimentar? E é precisamente sobre esta nuvem que sistematicamente paira sobre nós, a da “crise” que vivemos ou está para vir, que devemos refletir um pouco.

Desde que iniciei o meu percurso profissional, perdi conta às “crises” por que o País passou: a recessão interna de 2002 (após o “pântano” de António Guterres e o País “de tanga” de Durão Barroso), a crise financeira internacional de 2008 e o pedido de resgate à Troika negociado por José Sócrates em 2010, com consequências para os anos seguintes, são talvez as mais conhecidas. Um país que vive permanentemente em crise (ou a tentar sair dela), não consegue programar o futuro. Quando pensamos em programas de prevenção da doença, como os que incluem a nutrição, trata-se de implantar medidas com resultados a médio-longo prazo. Se as sucessivas crises obrigam a dar resposta imediata a problemas visíveis e urgentes (caso das listas de espera para consultas e cirurgias ou falta de médicos numa série de serviços), como esperar investimento em medidas cujos resultados podem demorar décadas a ser contabilisticamente visíveis? Além disso, que partido político vai dedicar muita atenção a medidas com benefícios já fora do seu tempo de vida no Governo quando, no imediato, tem de gerir temas com mais impacto na sua permanência no poder?

De tudo isto, talvez se possa concluir que medidas realmente relevantes e duradouras na promoção da alimentação saudável e prevenção da doença (por via de melhor nutrição) só poderão acontecer num cenário de desenvolvimento económico continuado. À semelhança do que vemos com as preocupações ambientais, são os países desenvolvidos que ultrapassaram as dificuldades básicas de subsistência aqueles que conseguem “libertar” recursos financeiros para soluções que se traduzem em reflorestação, fontes energéticas menos poluentes e outras políticas de proteção do ambiente. Do mesmo modo, só com desenvolvimento económico se conseguirá que as pessoas deixem de se preocupar com a saúde apenas na doença, ou que se preocupem com a qualidade nutricional do que comem em vez de lutarem para simplesmente arranjar alimento.

A nutrição dará votos quando se atingir um determinado grau de prosperidade geral, que permita às populações dedicar atenção à importância e impacto da alimentação na sua saúde e no meio ambiente. E será essa vontade das pessoas em comer melhor para viver melhor a “pressionar” os programas eleitorais, para a adoção das medidas que os nutricionistas reclamam há vários anos.

Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição