Realizaram-se ontem mais umas eleições legislativas, donde sobressai o facto de termos 10 partidos com representação parlamentar nos próximos 4 anos. Perante este cenário, é um exercício interessante perceber como os deputados agora eleitos olham para os temas da alimentação e nutrição, e, acima de tudo, como tencionam pô-los em prática. Ainda antes das eleições, o assunto foi abordado no Pensar Nutrição pelo Prof. Pedro Graça e Prof.ª Maria João Gregório. E, de facto, a alimentação aparece nos programas eleitorais com medidas diversas, que vão do aumento do número de nutricionistas no SNS a ementas vegetarianas em cerimónias do Estado. Mas para lá do que está nos programas eleitorais, que podemos realmente esperar?
Até há pouco tempo, a alimentação era um assunto pessoal, que apenas dizia respeito a cada um. A prosperidade resultante da democracia e modelo económico da Europa em que vivemos, trouxe-nos variedade e abundância para podermos escolher o que comer. Mas as preocupações crescentes com o ambiente, bem-estar animal e saúde das pessoas, trouxeram a alimentação para a esfera política. Uma vez que políticas nutricionais não são a mesma coisa que nutrição na política, devemos estar atentos a possíveis aproveitamentos políticos dos temas alimentares. Devemos escrutinar a base científica das propostas partidárias e a sua aplicabilidade. E temos ainda de pensar como se paga a fatura de todas estas medidas. Sem este sentido crítico e um papel ativo junto do poder político, corremos o risco de a nutrição ser usada como arma de arremesso nas disputas partidárias, apenas com o propósito de angariar votos ou aumentar as receitas fiscais.
Dados recentes do II Grande Inquérito sobre Sustentabilidade, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, revelam que oito em cada dez portugueses consideram que o Governo deve intervir para promover hábitos alimentares mais saudáveis, nomeadamente distribuir fruta gratuitamente e apoiar a agricultura biológica. E apenas pouco mais de um quarto dos inquiridos está contra a aplicação de impostos sobre alimentos. Estes dados, juntamente com outros que vão no mesmo sentido, fazem-nos crer que a sociedade portuguesa reconhece a importância da alimentação e da nutrição. Mas, infelizmente, isso continua a não se traduzir numa maior valorização do nutricionista. Os enormes estrangulamentos orçamentais continuam a bloquear a contratação de nutricionistas onde são mais precisos, nomeadamente nos cuidados de saúde primários e nas escolas. E nos locais onde já estão nutricionistas, estes deparam-se com todo o tipo de dificuldades para realizar o seu trabalho e aplicar o seu conhecimento.
Num cenário destes, onde cresce a preocupação com a nutrição, mas faltam os meios para a materializar, é fácil perceber como os nutricionistas podem ser usados como bandeira eleitoral. Já não há dúvidas que a nutrição traz votos. Sejamos então capazes de assumir o protagonismo devido e fazer ouvir a voz dos nutricionistas nos partidos políticos e nos órgãos do Estado.
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição