Na recente apresentação do novo Governo, saído das eleições antecipadas do passado dia 30 de janeiro, desde logo um facto saltou à vista dos nutricionistas: o Ministério da Agricultura passa a incluir na sua designação o termo Alimentação – Ministério da Agricultura e da Alimentação. Para os menos atentos ao tema, pode parecer uma simples questão de nomes ou distribuição de pastas, mas pela primeira vez a Alimentação ganha destaque no gabinete de um ministério. Esta “promoção” da alimentação era uma reivindicação de setores como a indústria agroalimentar ou os nutricionistas, que nos últimos anos têm procurado sensibilizar os órgãos de poder para a importância da alimentação e nutrição em temas transversais da sociedade, que incluem a sustentabilidade, o ambiente e, naturalmente, a saúde.
Mas agora que a alimentação se tornou “visível” no Governo, o que podemos esperar, tendo em conta que os tempos mais próximos trazem uma série de desafios enormes? As restrições relacionadas com a pandemia deram rapidamente ligar às preocupações relacionadas com a invasão russa da Ucrânia, gerando expetativas quanto ao abastecimento de diversas matérias-primas e seus impactos. Dos óleos alimentares aos cereais (para consumo humano ou rações para animais), são vários os setores agroalimentares que podem ver as suas importações/exportações afetadas. De forma mais alargada, há ainda os desafios lançados pelos fatores climáticos – até ao mês passado, o país corria o sério risco de uma seca severa, com impactos na produção de várias culturas, mas também na pecuária. E, por fim, a instabilidade financeira resultante da retoma pós-covid, entretanto abalada pelos receios de estagflação (estagnação no crescimento + aumento da inflação) derivada, entre outros, da crise energética causada pelas restrições à compra de energia à Rússia. Se cada um destes fatores, por si só, já podia causar turbulência nas cadeias de produção e abastecimento alimentar, aquilo a que podemos vir a assistir nos próximos tempos é motivo de cautela acrescida e, acima de tudo, uma oportunidade única de reflexão estratégica para o futuro.
É precisamente neste âmbito que, mais do que nunca, os nutricionistas devem ser ouvidos. É fundamental envolver estes profissionais no desenho de políticas alimentares que promovam a saúde e a sustentabilidade. Os nutricionistas podem, como ninguém, fazer a ponte entre a produção de alimentos e a saúde das populações. Veja-se o exemplo da Dieta Mediterrânica – os tempos que vivemos são uma oportunidade única para potenciar a produção local de alimentos adaptados às condições climatéricas do nosso país e menos dependentes de fatores externos, podendo gerar ganhos na economia nacional e poupanças na balança comercial. Simultaneamente, a Dieta Mediterrânica é composta de alimentos valiosos do ponto de vista nutricional, cujo consumo pode (e deve) ser encorajado, recuperando tradições alimentares e gastronómicas antigas. Com uma estratégia pensada a prazo, mas de aplicação urgente face às condições que enfrentamos, seria possível educar e estimular a adoção de padrões alimentares mais amigos do ambiente e da saúde.
De facto, o conhecimento científico existe (basta ver a prolifica produção de conteúdos nestas matérias por parte de entidades como o PNPAS da DGS, a Ordem dos Nutricionistas, a Associação Portuguesa de Nutrição ou as diversas universidades que lecionam os cursos de Ciências da Nutrição) e, seguramente, há profissionais com experiência disponíveis para dar o seu contributo. Resta-nos então esperar que, agora que a Alimentação ganhou visibilidade, também a Nutrição possa ganhar voz na política portuguesa!
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição